Rodrigo Junior
Mais de 60 corpos estirados na Praça São Lucas, após serem resgatados por familiares nos complexos da Penha e do Alemão. Esse foi um dos resultados da megaoperação realizada pelas forças de segurança do Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro. A ação, que mirava a cúpula do Comando Vermelho, mobilizou mais de 2,5 mil agentes para o cumprimento de 100 mandados de prisão e 180 de busca e apreensão.
Considerada a mais letal da história da Segurança Pública brasileira, que vitimou 121 pessoas — entre elas quatro policiais — o governador do estado carioca Cláudio Castro (PL) considerou que a ação foi um sucesso. Provavelmente essa não era a opinião das 121 famílias de luto. Aos poucos, a fatalidade foi tomando espaço nos veículos de comunicação, e os perfis nas redes sociais só falavam nisso. Um dia de luto se tornou um dia noticioso.
O caos se estabeleceu nas ruas dos complexos da Penha e do Alemão com a atuação dos 2,5 mil agentes. Foto: José Lucena/TheNewsS2/Estadão Conteúdo
Mas ao contrário do que se esperava, as redes foram tomadas de opiniões favoráveis à ação. Uma pesquisa do Datafolha, que ouviu 626 moradores do Rio de Janeiro, concluiu que 57% dos entrevistados concordavam total ou parcialmente com a operação. Um resultado que seria surpreendente, se não fosse extremamente comum. Também em outubro, mas há 33 anos, houve um massacre com a mesma proporção, no Complexo Carandiru, em São Paulo. A intervenção da Polícia Militar resultou em 111 detentos mortos. Há quem diga que, assim como no Rio, as mortes contemplam um cenário positivo no desmonte do crime organizado.
A diferença entre quem concorda e discorda totalmente é de mais de 10 pessoas. Fonte: Datafolha
Paralelo a discussão se a operação foi positiva ou não, começou a se debater o papel da mídia nisso tudo. É impossível não acreditar que o fato viraria notícia, o que foi posto em cheque era a forma como a estavam fazendo. A principal crítica foi sobre a exposição exacerbada do sofrimento alheio, dos corpos estirados em praça pública. Fotos que, embora exigiram bastante técnica, entraram no senso comum de que não deveriam ser divulgadas daquela forma. O caos foi reduzido às telas e a dimensão do real foi “polegarizada”, influenciando a forma como os casos foram interpretados, de forma superficial, por espectadores e leitores.
Nessas mesmas telas, três dias depois, estreava a série ficcional sobre o Presídio dos Famosos Tremembé, na Prime Vídeo. A construção narrativa dos detentos que ficaram conhecidos pela atuação em crimes chocantes como os casos Von Richthofen, Matsunaga e Nardoni também foram debatidas e consideradas como uma romantização da barbárie, pela afeição que o roteiro nos fazia criar por assassinos. Na época, as notícias sobre os casos com certeza não exprimiam toda essa humanização programada pela série, visto que foram crimes que geraram grande comoção nacional.
Mas a trama acabou deixando de escanteio um caso tão impactante quanto, que assume um papel interessante para essa análise pelo processo extremo de influência pela notícia. Ou da espetacularização dela. O caso do sequestro e morte de Eloá Pimentel, em 2008, não foi apenas marcado pela intensa cobertura jornalística das 100 horas de cárcere da menina de 15 anos e sua amiga, Nayara Rodrigues, mas por um personagem inusitado que nem deveria fazer parte da trama.
A apresentadora do programa “A Tarde é Sua”, exibido pela emissora Rede TV, Sônia Abrão conseguiu o contato direto com o sequestrador. O diálogo foi transmitido ao vivo pelo programa, em que a apresentadora assumiu o papel de negociadora, que deveria ser exercido pela polícia. Com o resultado negativo, a jornalista foi duramente criticada pela condução da situação, que poderia ter levado em conta o risco ao qual as vítimas estavam sendo submetidas.
Impressões sobre a série levavam mais em consideração o triângulo entre Suzane, Eliza e Sandrão do que a gravidade dos seus crimes. Foto: Reprodução Prime Vídeo
É impossível falar que a Operação do Rio de Janeiro furou bolhas ao surpreender com seus impactos negativos, tendo em vista que a violência já faz parte e é exibida para toda a sociedade. Mas, sinteticamente falando, é possível assumir que houve uma colaboração comunicacional que contribuiu para a relação do público com os fatos. Se não houvesse transmissão, série ou notícia, o viés e reação do público com os acontecimentos poderiam ter sido diferentes. Seja na dramaturgia ou na vida real, o vilão se torna herói conforme a história foi contada.
Edição: Thyffanny Ellen
Editor-executivo responsável: Leo Prado