Heloísa Helena
A realidade oculta da Fertilização In Vitro
O sonho de gerar uma vida pode ser muito distante e inimaginável para algumas famílias por diversos motivos, como a infertilidade, que afeta 1 a cada 6 pessoas no mundo, segundo o levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2023.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela farmacêutica Merck e realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), em 2024 cerca de 86% das mulheres brasileiras entre 25 e 45 anos não faziam ideia da existência da Fertilização In Vitro (FIV). O procedimento, ainda é, para muitos, cercado de mistérios e segredos, mas a verdade é bem menos dramática, e mais ampla do que muita gente imagina.
Considerado o recurso mais avançado da medicina reprodutiva entre médicos e pesquisadores, a FIV ainda é alvo de estereótipos e pré-associações. Ao contrário do que ainda é difundido, o tratamento não é posto apenas para casos extremos de infertilidade nem é exclusivo de determinados modelos de família, mas tem se consolidado como uma ferramenta planejada para quem deseja realizar o sonho da maternidade ou paternidade.
O procedimento, como o nome sugere , consiste em realizar o encontro do óvulo com o espermatozoide, a fertilização, em ambiente laboratorial, formando embriões que serão cultivados e transferidos ao útero da mulher, segundo a Associação Brasileira de Reprodução Assistida.
Passo-a-passo de uma transferência embrionária na FIV
Foto: Reprodução/Artfertil
Vale destacar que, desde 2015, o Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a reconhecer expressamente o direito de casais homoafetivos recorrerem à FIV ou outras técnicas de reprodução assistida para formar família.
A resolução foi aprovada em 16 de abril de 2013, dois anos após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar
Foto: Reprodução/Conselho Federal de Medicina
A lei permite que casais de mulheres façam inseminação ou FIV com doação de sêmen, e que casais de homens usem FIV com doação de óvulos e, se necessário, gestação por substituição — técnica de reprodução assistida em que uma mulher carrega em seu útero um bebê gerado com o material genético deles — para viabilizar a paternidade.
Em 2021, o CFM atualizou as normas de Reprodução Assistida no Brasil, com a Resolução 2.294, de 27 de maio de 2021. Pela primeira vez, os direitos também foram garantidos às pessoas trans, antes não citadas.
DO PROFISSIONAL AO PESSOAL
Luana* trabalha na área de Fertilização Humana Assistida, que abrange um conjunto de técnicas de viabilização de gravidez com procedimentos minimamente invasivos, entre eles, a FIV. Coincidentemente, aos 25 anos se deparou com um diagnóstico de adenomiose, e após alguns exames descobriu sua baixa reserva ovariana.
De acordo com a OMS é um transtorno não-inflamatório do trato genital feminino, que acontece quando o endométrio (tecido que recobre a parte interna no útero) se desenvolve no miométrio (músculo do útero).
“Receber esse diagnóstico foi um tanto quanto assustador, porque eu lido com mulheres que sofrem de infertilidade, por diversos fatores, mas eu sempre estive ali como profissional. Estar do outro lado, como paciente, e viver toda essa angústia, ansiedade e incertezas, foi um misto de sensações, um misto de emoções”, relata Luana.
Ao entender que a qualidade dos óvulos está diretamente ligada a sua idade, ela optou por congelar os óvulos: “para preservar a minha fertilidade e me dar autonomia sobre o meu planejamento familiar”.
A Associação Brasileira de Reprodução Assistida explica que, devido ao processo de envelhecimento, os óvulos também sofrem uma diminuição na qualidade genética, assim como ocorre com as outras células do nosso organismo. Por saber disso, Luana ainda explica que “os óvulos, quando congelados mais jovens, têm maior probabilidade de gerar embriões saudáveis, reduzindo riscos de falhas e alterações cromossômicas”.
A prática profissional a influenciou a tomar essa decisão: “Eu sei que agir de forma preventiva aumenta muito as minhas chances de sucesso no futuro”.
TUDO TEM UM PREÇO — ALGUNS MAIS CAROS
Como nem tudo são flores, ou embriões, o processo de inseminação artificial é longo, envolvendo a estimulação ovariana, coleta e preparo de sêmem, injeção do sêmem no óvulo e um difícil pós procedimento.
Além do desgaste físico e emocional, casais que escolhem a FIV, precisam desembolsar entre R$ 15 mil a R$ 36 mil, seguindo um orçamento atualizado feito para esta reportagem, analisando clínicas de Salvador-BA.
Mesmo com todo passo a passo sendo seguido corretamente, ainda existe uma margem de erro de 80%, para mulheres com menos de 30 anos.
IDADE: ÀS VEZES, É TUDO
As taxas de sucesso vão diminuindo a cada ano para as mulheres após os 30. Os dados apurados são:
Entre 5% e 15% para mulheres de 35 a 39 anos.
Entre 1% a 5% para mulheres a partir dos 40.
MUNDO DOS FAMOSOS
Pelo valor alto, o procedimento ainda é feito apenas por uma parcela da população, alguns anônimos e outros muito conhecidos, como as gêmeas Helena e Marina, filhas da cantora Ivete Sangalo aos seus 45 anos. "Comecei [o tratamento] com 40 anos, e fui tirando. Como minha reserva ovariana era muito pequena, tirei uns 8. Fiz mais de um ciclo, vieram as meninas e soube que eram gêmeas”, disse a cantora em entrevista ao podcast Mil e Uma Tretas.
Além dela, outras personalidades conhecidas como Zezé Di Camargo, William Bonner e Viviane Araújo também realizaram. Viviane, por exemplo, teve o seu filho aos 47 anos com óvulos doados. "Tem muita barreira e muito preconceito ainda, de algumas mulheres não aceitarem, ou marido e família que não aceitam, dizendo que 'filho de óvulo doado não vai ser seu'", disse a atriz em entrevista para o Só Se For Agora Podcast (2022).
A boa notícia é que diversos hospitais públicos e universidades brasileiras oferecem tratamentos de reprodução assistida, incluindo FIV; congelamento de gametas para pacientes com câncer; exames e acompanhamento especializado. Embora haja filas de espera e número limitado de vagas, o serviço existe, e representa uma alternativa essencial para quem não pode recorrer à rede privada.