Bernardo Maia
O reality da vigilância, lucro e sucesso
O sucesso do Big Brother no Brasil é inegável. A proposta de um “show da realidade”, assim como diz a tradução literal do gênero televisivo, atrai o público brasileiro de maneira quase espontânea. Na edição do ano passado, a TV Globo faturou mais de um bilhão de reais antes mesmo do primeiro dia de Big Brother Brasil através do investimento de patrocinadores. Para se ter uma ideia, isso corresponde a 15% do que a emissora atualmente fatura em todo um semestre com a exibição de telenovelas, patrocínios e assinaturas pay-per-view.
Historicamente, o reality é a galinha dos ovos de ouro da Rede Globo. Enquanto a grande maioria das despesas é bancada pelos patrocinadores, edições muito marcantes, como a de estreia do programa, chegam a alcançar 70% das televisões de todo o país. Esse consumo coloca o BBB como o mais assistido entre as edições da franquia da Endemol, empresa holandesa autora do Big Brother original. De acordo com a própria organização, a versão brasileira é isoladamente a mais consumida entre os países participantes, com números que ultrapassam os 160 milhões em seu auge.
O sucesso de audiência chama atenção de estudiosos em todo o mundo. Pesquisas da área da psicologia comprovam que a influência do programa pode comprometer toda a rotina do consumidor, como foi o caso de Flávio Novais. O professor de português relata que a envolvência do programa, combinado com o horário tardio, custaram-lhe o emprego na escola em que trabalhava, no interior de Sergipe: “Eu passava horas acompanhando pelo pay-per-view e ainda esperava dar 22:30 para acompanhar os melhores momentos. Cheguei a faltar mais de uma semana de trabalho por causa disso e fui demitido do serviço. Só aí a máscara caiu”. No final das contas, por que vigiar 24 estranhos durante 24 horas faz tanto sucesso?
HISTÓRIA
O conceito de "reality show" é muito mais antigo do que o modelo Big Brother. Suas origens remontam às produções televisivas estadunidenses dos anos 70, com o reality "An American Family", de 1973. O programa cativou e dividiu o país quando acompanhou a vida de uma família que possuía um filho assumidamente gay e, ao mesmo tempo, uma esposa que buscava o divórcio após 21 anos de casamento.
O abalo cultural gerado pelo sucesso do programa influenciou emissoras de televisão por todo o mundo, alcançando sua ascensão global nos anos 2000. Foi no início dessa década que a Endemol, em parceria com a Rede Globo, presenteou a audiência televisiva brasileira com um formato inédito de programa de televisão. Seu nome fazia referência à obra literária do escritor Eric Blair e seu pseudônimo George Orwell, “1984”. O livro retrata uma sociedade dominada por um governo totalitário e seu poder disciplinar, com a figura central, O Grande Irmão (Big Brother) utilizando a vigilância constante para ditar o comportamento dos cidadãos e fazê-los se autorregularem de acordo com sua vontade.
Sucesso global, o livro tornou-se referência atemporal sobre a censura, recebendo uma adaptação audiovisual em 1984
Foto: Reprodução / Internet
A recepção positiva do público à ideia revolucionária de vigilância constante do Big Brother criou um legado de dinheiro e sucesso absoluto, quebrando recordes de audiência e atingindo a já mencionada marca de 70% de toda a audiência televisiva do país.
PRIVACIDADE
A ideia de preservação da própria intimidade tem assumido um papel cada vez mais importante na sociedade. Especialista no assunto, Débora Rocha a considera como a nova moeda de troca aos que buscam status: “Quanto maior a exposição da vida privada, maior a visibilidade, e quanto maior a visibilidade, maior a inserção social”.
Em uma sociedade tão influenciada pelas redes sociais como a brasileira, a visibilidade torna-se um caminho viável para fugir da realidade desigual do país e tentar conseguir um lugar ao sol. Débora enxerga o BBB como uma competição que busca mais que um prêmio milionário, mas a mudança de vida que a exposição traz: “É um microcosmo social onde a essência é o necessário para conquistar o Brasil e se tornar mais do que mais um na multidão”.
Ex-participante do Big Brother, Gilberto, o“Gil do Vigor”, mantém parcerias publicitárias desde sua saída do programa, que ficou em 4º lugar
Foto: Reprodução / Instagram
ATRATIVIDADE
Para muitos, consumir o BBB já se tornou um ritual anual. Fã antiga, Elaine Silva chega, neste ano, à décima edição do reality como uma espectadora assídua. A jovem afirma que a audiência do Big Brother tem se tornado cada vez mais dividida e radical: “Cada grupo elege o seu favorito e o assunto evolui para uma briga de juízos de valor, como duas torcidas rivais de futebol”.
A dualidade de torcidas do programa atingiu seu auge na edição de 2020, em que o paredão entre o arquiteto Felipe Prior e a cantora Manu Gavassi contou com a presença de diversas pessoas públicas para se posicionar contra o suposto racismo de Manu ou o considerado machismo de Prior. Essa bipolaridade quebrou o recorde de votação popular do programa, com 1,5 bilhão de votos que decidiram pela permanência de Manu Gavassi e suas “Fadas Sensatas", nome dado ao fã clube.
O pensador francês Michel Foucault já discutia a ideia de vigiar e punir como um artifício poderoso e de muito interesse da sociedade. O controle cedido pela emissora ao público e toda a sensação de poder que o acompanha atrai mais telespectadores. Escolhas sobre certo e errado ou merecer e não merecer estão inseridas no programa desde antes da ingressão dos “brothers”, que têm seu passado revistado e precisam de um aval democrático da própria audiência para entrar.
Débora Rocha ressalta ainda a necessidade das informações comportamentais para Rede Globo, que busca nas reações dos telespectadores uma maneira de tornar a edição seguinte mais próxima do que o público quer e lucrar cada vez mais através disso.
O espetáculo vai muito além da competição: ele busca trazer novos rostos ao hall da fama, mais afetuosos que os antecessores e menos que os sucessores. O BBB ainda faz questão de determinar um meio de premiar os outros envolvidos. Seja no poder de opinar, vigiar e punir para o público ou no monopólio e lucro da emissora, a “transparência” é um componente importante na construção da imagem de um reality recompensador que tanto lhe concede sucesso. Só um mero detalhe dispensa recibo: ao se virar para a televisão, ela também te olha de volta.
Edição: Leo Prado e Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento