Malu Sampaio
Com brechós em alta e marcas se reinventando, a nova geração quer consumir de forma mais consciente
Nos últimos anos, os brechós deixaram de ser apenas uma alternativa econômica e passaram a ocupar um lugar de destaque no estilo de vida da nova geração. De acordo com dados do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o Brasil já conta com mais de 118 mil brechós ativos, um crescimento de mais de 31% nos últimos cinco anos. Esse avanço pode estar ligado a uma mudança no comportamento do consumidor, marcada por decisões mais conscientes e alinhadas a valores sustentáveis.
Uma pesquisa realizada pelo Boston Consulting Group, empresa de consultoria de gestão, aponta que 70% dos compradores de brechós valorizam o aspecto ecológico por trás das suas escolhas. Seja optando por produtos conhecidos ecofriendly ou roupas de segunda mão, o verdadeiro desafio está em consumir de forma responsável em um mercado que estimula o excesso. Afinal, o que tem impulsionado essa mudança de hábitos entre os jovens?
Enjoei funciona como um comércio eletrônico de desapegos
Foto: Reprodução/Site do Enjoei
Professora de biologia e ativista ambiental, Ariane Barreto aponta que esse fenômeno pode estar ligado a uma nova consciência moral, social e até espiritual, que tem ganhado força nas últimas gerações. Para a bióloga, muitos jovens estão repensando seus hábitos a partir de uma preocupação com futuro, meio ambiente e impactos sociais de suas escolhas. No caso dos brechós, essa transformação é impulsionada por uma combinação de fatores, que vão desde o desejo de expressar identidade por meio da estética das roupas, a economia que esse tipo de consumo proporciona e, principalmente, a lógica do reuso como prática sustentável.
A ativista chama atenção, no entanto, para o modo como o mercado tradicional tem percebido essa mudança de valores como uma nova oportunidade de lucro, criando produtos que simulam o visual vintage ou desgastado, muitas vezes a preços altos, e se apropriando do discurso sustentável como estratégia de marketing: "Temos um mercado que analisa esse ritmo da nova geração e, percebendo o fluxo, oferece produtos que têm essa propaganda de ‘sou sustentável’, ‘não maltrato animais’, ‘meus itens são todos sem agrotóxicos’, sendo verdade ou não".
A Organização Europeia do Consumidor, junto a grupos ambientalistas, acusou a Nestlé de greenwashing ao afirmarem que suas garrafas plásticas de água não eram "100% recicladas", ao contrário do que estava sendo anunciado. Segundo a denúncia, as embalagens nunca foram totalmente feitas de material reciclado, e os símbolos ecológicos seriam enganosos para os consumidores.
Foto: Reprodução/Nestlé
Nas redes sociais, influenciadoras como Nátaly Neri têm desempenhado um papel importante na construção do debate sobre consumo sustentável. Socióloga por formação, ficou conhecida no Youtube ao abordar temas como moda sustentável e racismo estrutural. Em um dos vídeos postados em suas redes sociais, ela dá dicas para que os consumidores identifiquem o greenwashing, que de acordo com Nátaly, configura-se como a prática em que empresas se apropriam de discursos sustentáveis para vender mais, sem necessariamente adotar práticas sustentáveis de fato.
Para ajudar os consumidores a identificarem essa conduta, a produtora de conteúdo sugere observar atentamente as embalagens e etiquetas dos produtos, pesquisar sobre o histórico da marca e verificar a presença de selos de confiança, que comprovem o compromisso ambiental da empresa.
Natály Neri acumula mais de 800 mil inscritos em seu canal do Youtube ao falar sobre moda, beleza sustentável e veganismo
Foto: Reprodução/Youtube
Em meio à busca por um consumo mais consciente, a estudante de nutrição Luiza Mel Nascimento, que é vegana, enfrenta contradições ao tentar alinhar seus princípios às opções disponíveis no mercado. Para a jovem de 19 anos, consumir de forma consciente vai além de evitar ingredientes de origem animal, envolve também questionar quem está por trás das marcas e se há coerência entre o discurso e a prática. “Apesar de não conterem ingredientes de origem animal, esses produtos carregam um paradoxo, já que são produzidos por empresas que ainda não são 100% alinhadas com os valores do veganismo”, explica.
Embora prefira apoiar marcas independentes e sustentáveis, Luiza admite que, em situações fora da rotina, como viagens, recorre a grandes marcas por falta de alternativa. Outro obstáculo frequente é a falta de clareza sobre a real composição dos produtos e os processos envolvidos em sua produção.
O mesmo acontece com Beatriz Dalmas, de 19 anos. A estudante de direito aponta que nem sempre é fácil identificar quando um produto cumpre o que diz ser ou apenas utiliza um discurso sustentável para atrair consumidores: “A gente compra de acordo com as informações da embalagem, mas não sabe como acontece todo o processo de produção, é uma questão complicada”.
Beatriz conta que enfrentou dificuldades ao tentar substituir sua escova de dente de plástico por uma versão de bambu: “Procurei em várias farmácias aqui em Salvador e não encontrei. Pensei em comprar pela internet, mas só vendiam em caixas grandes, e eu não sabia se a loja era confiável”, lembra. A partir daí, inclusive, surgiu uma nova preocupação: o impacto ambiental do transporte envolvido na compra online. “Será que faz sentido evitar o plástico, mas emitir CO2 com a entrega de um produto vindo de outra cidade?”, questiona.
Apesar dos desafios, os números indicam que o consumo consciente entre os jovens deve se fortalecer nos próximos anos. De acordo com o estudo realizado pelo instituto de pesquisa Locomotiva e da consultoria global PwC, sete a cada dez jovens brasileiros demonstram disposição em pagar mais caro por produtos de marcas que apoiam causas sociais e ambientais. Em um cenário de consumo cada vez mais acelerado, o desafio da nova geração é equilibrar o desejo por mudanças com decisões coerentes, que façam sentido não apenas no discurso, mas também na prática.
Edição: Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento