Venicius Rodrigues
Como os pets ganharam ainda mais espaço e direitos
Com RG, plano de saúde, espaço garantido em restaurantes e até transporte exclusivo por aplicativo, os animais de estimação conquistaram um novo status nas famílias brasileiras. Se antes eram “os bichos lá de casa”, hoje ocupam lugar de filhos, com direito a festas de aniversário, roupas personalizadas e uma rotina que acompanha — e muitas vezes dita — os hábitos dos tutores.
Essa mudança no vínculo afetivo transforma não só a relação cotidiana entre humanos e pets, mas também movimenta um mercado em expansão, além de influenciar políticas públicas e regras de convivência em espaços urbanos. Cada vez mais presentes em locais antes restritos, como shoppings, hoteis e consultórios, os animais acompanham seus tutores como parte da família — o que reforça, para muitos, a ideia de que amor não tem espécie.
Esse novo lugar que os pets ocupam nas famílias também transforma laços afetivos e dinâmicas domésticas. Em muitas casas, os animais são tratados como irmãos mais novos, caçulas que exigem atenção e cuidado constantes. “Sinto que sou a irmã mais velha dele. Às vezes estou no trabalho e recebo uma reclamação da minha mãe que ele destruiu algo, me preocupo se ele se alimenta, se está brincando. A mesma coisa com meu pai, ele também se preocupa. É como se fosse o caçula da família”, conta Yasmin Bonfim, estudante de pedagogia, tutora de Marvin, um cachorro adotado há pouco mais de um ano.
Para a médica veterinária especialista em comportamento animal Camila Voloch, tratar os pets como parte da família pode ser algo muito positivo, desde que suas necessidades como animais sejam respeitadas. “Se os animais são tratados como membros da família significa que eles são muito bem cuidados, valorizados e respeitados como indivíduos com necessidades a serem atendidas. Eu acho isso maravilhoso. O que não podemos permitir é que essas pessoas criem expectativas irreais em relação a esses animais”, afirma.
Camila explica que, sem o conhecimento adequado, a intensidade na convivência pode provocar danos emocionais, como comportamentos ansiosos, compulsivos e até agressivos. “A orientação é buscar conhecer as necessidades básicas desse animal e considerar sempre a construção de uma relação saudável, livre de medo, ansiedade, estresse, dor e desconforto entre humanos e pets”.
CARTEIRA DE IDENTIDADE ANIMAL
Nos últimos anos, mudanças na legislação e iniciativas do poder público têm acompanhado esse novo vínculo entre humanos e animais. Em 2023, o Governo Federal aprovou o Cadastro Nacional de Animais Domésticos, conhecido como RG Pet, que permite registrar cães e gatos com dados como carteira de vacinação e número de microchip, um dispositivo inserido sob a pele do animal para ajudar na identificação em caso de perda.
Antes disso, em 2021, uma nova lei aumentou as penas para casos de maus-tratos a cães e gatos, e decisões judiciais começaram a reconhecer a guarda compartilhada de pets após separações. Nas cidades, o avanço da cultura pet friendly também tem ampliado o acesso de animais a restaurantes, shoppings e outros espaços públicos.
A decisão de fazer o RG Pet também passa pelo cuidado com a saúde e segurança dos animais. Após ver campanhas do Governo Federal sobre os benefícios do cadastro, a Maria Eduarda Custodio, de 21 anos, resolveu registrar seus dois gatos. “Vi que esse registro vai poder ajudar no controle populacional dos pets e que poderia facilitar alguns serviços, como campanhas de vacinas, e isso me fez criar o cadastro”, conta.
Ela também pretende inserir o número do microchip no documento para garantir mais segurança em caso de perda. nem todo mundo sabe o que é microchip, acho que vale uma frase para explicar Além da função prática, o documento tem um valor simbólico importante para ela: “Acredito que hoje criamos vínculos de família com os bichinhos. É muito legal saber que estão sendo criadas propostas que possam aumentar o bem-estar dos pets e de nós tutores”.
A demanda por produtos e serviços voltados ao bem-estar dos pets cresceu junto com esse novo papel afetivo que eles ocupam nos lares. Planos de saúde, adestramento, transporte por aplicativo, hotéis e creches passaram a fazer parte da rotina de muitas famílias que buscam praticidade e suporte no cuidado diário. “Vacinas, castração, consulta, tudo isso tem a cobertura do plano por um valor bem acessível, R$130 por mês”, revela Yasmin Bonfim, tutora do cão Marvin. Para deslocamentos com o pet, ela também já utilizou o Uber Pet — serviço oferecido por aplicativos de transporte para facilitar o trajeto de animais com seus tutores. No entanto, destaca a ausência de creches na região onde mora: “Faz muita falta. Tanto para os finais de semana que precisamos nos reorganizar para que ele não fique sozinho, quanto para a socialização dele com outros animais”.
O crescimento de vínculos afetivos entre humanos e animais de estimação revela não apenas mudanças no modo de cuidar, mas também no modo de sentir. Em meio à correria das cidades, à solidão e aos novos arranjos familiares, os pets passaram a ocupar um espaço emocional significativo, que envolve carinho, responsabilidade e escolhas conscientes. Mais do que tendência, tratá-los como parte da família reflete uma transformação profunda na forma como nos relacionamos com outras espécies — e com nós mesmos.
Edição: Leo Prado e Bia Nascimento
Editora-chefe responsável: Rodrigo Junior