Isabel Queiroz
Trabalhar para si nem sempre é uma possibilidade
Se você acompanha debates sobre jovens e o mundo digital, provavelmente já se deparou com a discussão entre trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e os que preferem o empreendedorismo. Liberdade financeira, ser seu próprio chefe, jornadas exaustivas, salários incompatíveis com o custo de vida e até o extremo “estudar para quê?” são tópicos frequentes. Mas surge uma pergunta essencial: de quais jovens estamos falando? É preciso considerar o recorte social, para entender quando a oportunidade de empreender é real e quando é apenas uma miragem.
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Foto: Reprodução/Youtube
O discurso de “ser seu próprio chefe”, tão popular nas redes sociais, nem sempre encontra terreno sólido. A educadora financeira Cinara Santos alerta: “Esse discurso chega forte para jovens de baixa renda, mas nem sempre há base material para transformá-lo em realidade. É preciso crédito, educação empreendedora, administração de negócios e redes de apoio, coisas que muitas famílias não conseguem fornecer. Sem isso, o caminho pode gerar frustração e levar a trabalhos precarizados”.
“Para a classe trabalhadora, o trabalho não é opção, é condição. A não ser que você seja herdeiro, muitas vezes é preciso trabalhar desde cedo. Na escola, vejo alunos que fazem estágio ou trabalham não para ‘ocupar o tempo’, mas porque precisam ajudar na renda de casa”, explica Filipe Baqueiro, sociólogo e professor do ensino médio.
Everton Ferreira, 20 anos, estudante de sistema de informações e trabalhador do regime CLT, sucesso significa “ter um bom salário, qualidade de vida, emprego na área de formação e oportunidades de crescimento dentro e fora da empresa”. Mas ele ressalta que as melhorias no mercado de trabalho, como benefícios, reajustes salariais e leis que protejam funcionários ainda fazem falta para que esse conceito seja alcançado. Entretanto, o conceito de sucesso profissional está em constante mudança. “É complicado pensar em sucesso quando se vive em cidades como Salvador, voltadas para o setor de serviços, onde ficamos tão dependentes das condições desse mercado”, observa o sociólogo. Antes, estudar e entrar numa carreira estável até a aposentadoria era o padrão. Hoje, precarização, achatamento de salários e alta rotatividade tornam o sucesso mais incerto.
Muitos acabam empreendendo por necessidade, realizando “bicos” ou trabalhos informais sem direitos garantidos, a exemplo de entregadores de aplicativos. Nesse contexto, o empreendedorismo se torna mais estratégia de sobrevivência do que caminho para liberdade financeira. Ainda assim, o emprego formal continua sendo um divisor de águas. Salário fixo, férias remuneradas, décimo terceiro e acesso a crédito trazem previsibilidade e permitem planejar a vida. “Mesmo que não seja o melhor salário, você tem direitos trabalhistas e sociais, podendo planejar compras e garantir necessidades básicas”, ressalta Cinara.
Filipe Baqueiro reforça que o empreendedorismo pode ser positivo quando gera renda e autonomia. Historicamente, “mulheres negras na Bahia já faziam isso vendendo comidas para manter a família ou conquistar a própria liberdade”. O problema surge quando o discurso se transforma em ideologia universal: “A ideia de que todo mundo pode ser chefe de si mesmo anda de mãos dadas com o desprezo pelas leis trabalhistas e pelos direitos conquistados, o que é perigoso”. Cianara complementa: “Não é que o empreendedorismo seja ruim, mas sem formação, suporte técnico e políticas públicas de apoio, o jovem acaba precarizado e sem qualidade de vida. Para jovens de famílias de empresários, empreender é mais fácil, mas para quem vem da favela, demanda muito mais esforço e suporte”.
Everton também compartilha uma visão similar: “Acredito que o empreendedorismo é positivo, desde que não venha com a mensagem de que estudar não vale a pena. Uma coisa não exclui a outra: estudo e empreendedorismo podem caminhar juntos”. Redes sociais, por sua vez, vendem uma ideia de sucesso distante da realidade. “Todo mundo parece mais bonito, mais rico, mais feliz”, observa Filipe. Essa comparação aumenta a frustração de jovens que enfrentam jornadas longas, subempregos e salários baixos.
O debate sobre trabalho, geração e dinheiro mostra que não se trata apenas de escolher entre CLT ou empreendedorismo, mas de criar condições para que todos os jovens possam escolher de fato. Atualizar a legislação trabalhista, oferecer fomento responsável ao empreendedorismo e políticas públicas de apoio são passos essenciais para que carreiras dignas não fiquem restritas a poucos privilegiados.
Edição: Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior