Hanna Andraus
Quando o amor ao futebol também se torna herança familiar
O futebol brasileiro abarca um oceano de histórias. Desde a criação do esporte até a consolidação, uma bola rolando no gramado, duas traves e jogadores com sangue nos olhos, são sinônimos de euforia, fé e paixão. Cada torcedor carrega um sentimento único. Em dias de jogos, é impossível não ouvir as vozes em coro, vibrando na mesma frequência e tomadas pelas emoções que só o futebol é capaz de despertar.
Para além do esporte como um todo, cada time é um mundo diferente. Quando perguntado sobre o que o futebol significa para ele, Antônio Marzaro, de 22 anos, responde: “Pelo menos 1/5 da minha vida, e uma porcentagem grande está atrelada ao Santos. Não é só respirar futebol, é respirar o Santos”. A história de Antônio com o futebol surgiu a partir do seu avô. Ele conta que o amor nasceu de maneira natural, quase instintiva. “Meu avô me deu uma camisa do Santos, com o nome do Neymar. No ano seguinte, me levou para ver o time no estádio. Em 2013, eu já era um santista de carteirinha e sigo até hoje”.
Antônio Marzaro aos oito anos
Foto: Acervo Pessoal
Alguns estudos liderados pelo The Social Issues Research Center, uma organização sem fins lucrativos situada na Inglaterra, revelam que o amor por um clube de futebol pode nascer de diversas formas, porém, a mais comum entre os torcedores é a herança de família. Seja dos pais para os filhos, avós para netos e assim por diante, uma coisa é certa: a veia futebolística não deixa de bombear paixão de geração em geração.
Algumas veias, inclusive, são bifurcadas, mas o importante é não deixar a tradição se perder. “Sou Flamengo e Vitória por meu pai ser [carioca] e por meu avô paterno ter raízes cariocas, que passaram de avô para filho e, depois, para neto. Também sou Vitória por ter nascido na Bahia e por toda a minha família materna também torcer”, explica Fellipe Marques, arquiteto e torcedor dos dois clubes rubro-negros.
Para Fellipe, assim como para outros torcedores, a distância de um estado para outro é algo complicado, mas que definitivamente não dilui o amor pelo clube. Ele relata que é angustiante assistir a um jogo por trás das telas, mas que quando vai ao estádio, seja para ver o Vitória ou o Flamengo, a sinergia é diferente. “Estar no estádio para mim é reforçar o amor que sinto pelo meu time”.
No limiar entre o escudo e o coração, Fellipe guarda um amor intenso pelo esporte, que o acompanha desde cedo. “Futebol é o que eu respiro, acordo e é meu primeiro pensamento, minha motivação e o que norteia meus sentimentos mais sinceros”. Para ele, além dos 90 minutos em campo, o futebol também é linguagem de amor. No aniversário do pai, Fellipe o levou para assistir um jogo do Flamengo no Maracanã. Além da energia da torcida, o sentimento de compartilhar a arquibancada com sua fonte de inspiração foi único. “A energia é diferente. Surreal”.
Fellipe herdou o amor pelo Flamengo do pai, Georginton
Foto: Acervo Pessoal
A história se assemelha à de Paulo Cézar Gomes, radialista esportivo e aficionado pelo Fluminense. Seu pai, João Gomes, pernambucano, mas radicado no Rio de Janeiro, trouxe para a família a paixão tricolor. Em entrevista ao Entrepontos, Paulo revelou que o clube marcou sua história e infância. “Um amigo da empresa, que era carioca, sempre trazia itens do clube para meu pai. Em uma dessas vezes, ele trouxe um compacto [disco de vinil com duas faixas] com o escudo do Fluminense. De um lado, havia a narração da história do time; do outro, a narração de um gol da decisão do Campeonato Carioca, o famoso Fla-Flu de 1969”. Ele conta que essa narração segue intacta em sua memória, e consegue recitar da mesma forma que ouviu em 1973, quando tinha apenas 5 anos.
O amor pelo Fluminense pelo radialista e seu irmão foi herdado pelo pai,
que por muito tempo viveu no Rio de Janeiro
Fotos: Acervo Pessoal
O futebol é uma montanha russa de emoções, mas a fé e o amor pelo clube são o que tornam o passeio único. Para Paulo, por exemplo, o esporte pode, também, ser sobrenatural. Em um momento que havia a possibilidade de perder dois jogadores importantes, Paulo e seu irmão, também torcedor do Fluminense, resolveram apelar para uma promessa diferente do convencional.
“No fim, deu tudo certo: o negócio travou, o Fluminense conseguiu segurar os jogadores e não vendeu ninguém. Então fomos pagar a promessa. Seis horas da tarde, no cemitério do Campo Santo. Cada um levou dois pacotes de vela branca, daquelas simples, que a gente usava quando faltava luz, e acendemos uma por uma nas tumbas. Coincidência ou não, os jogadores ficaram”, conta.
“E eu digo: tive minha participação nessa conquista. Porque, espiritualmente, a gente impediu que eles fossem vendidos para o Grêmio. Coisas de torcedor, e eu acredito mesmo nas forças espirituais. Aliás, o Nelson Rodrigues, grande escritor, dramaturgo e fluminense, falava disso. Ele dizia que existia um espírito chamado 'Sobrenatural de Almeida', que rondava os campos de futebol. E quando acontecia um gol improvável, impossível, era ele, o Sobrenatural de Almeida, em ação”.
Irmão de Paulo, Jairo Gomes
Foto: Acervo Pessoal
Coleção de revistas e livros sobre o Fluminense são guardados por Paulo ano após ano
Foto: Acervo Pessoal
Também influenciada pelo pai a carregar o amor pelo esporte desde os oito anos, Natália Lemos, estudante da área da comunicação, diz que o futebol representa paixão e fidelidade. “Os jogadores e comissão são passageiros, toda hora muda, mas a torcida e a instituição em si são eternas, e é isso o que eu acho mais bonito”.
Natália e o pai, Alexandre, torcem para o Esporte Clube Vitória
Foto: Acervo Pessoal
Muito mais do que 90 minutos e um horário nobre na televisão, futebol é elo, família, encontro, esperança e tudo aquilo de mais puro e irracional que um ser humano pode sentir. Mesmo com diferenças e rivalidades, os clubes provocam sensações similares em seus torcedores. Do Bahia ao Galícia, Botafogo ao Bangu, Corinthians ao Mirassol, o sentimento é o mesmo: “É o amor. Amar é difícil, tem momentos maravilhosos, mas também tem recaídas. Entretanto, quem ama, tem paciência e acredita”, confessa, com afeto, o santista Antônio Marzaro.
Edição: Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento