Bia Nascimento
É solitude, a arte de estar só
Se em um dia banal de aula todos seus amigos faltam e você decide ir ao restaurante universitário sem companhia, pelo menos 450 pessoas concordam que você já falhou na vida em sociedade. A boa notícia é que mais de 70 mil discordam.
Foto: Reprodução/X
Algum instituto de pesquisa renomado poderia averiguar o nível de sarcasmo das publicações feitas no ex-Twitter e chegar à conclusão de que a figura de linguagem favorita dessa rede social é a ironia. Ela também esteve presente nessa publicação feita por Vitor há alguns dias. No entanto, peço, leitor, que permaneça por aqui - mais a frente ele retorna ao cerne da discussão e talvez esse recorte faça um pouco mais de sentido.
SE NÃO TEM NINGUÉM, VAI SOZINHO
Filósofo da era contemporânea, Paul Tillich classificou como glorioso e feliz todo sujeito que escolhe ficar sozinho voluntariamente. A isso, um nome usava para categorizar: solitude. Ao contrário da solidão, com todos seus adjetivos pejorativos, o quase antônimo presume liberdade, autonomia e parece ter conquistado pessoas afora.
“O tema da solitude tem recebido mais espaço nas conversas, principalmente com a crescente busca por autoconhecimento e saúde mental. As pessoas estão começando a entender melhor a diferença entre estar sozinho e se sentir solitário”, é o que afirma a psicóloga Carla Ramos, estudiosa no ramo da psicologia comportamental ao perceber que a solitude tem ganhado força dentro e fora das redes.
Ainda assim, por que muita gente considera a falta de companhia uma derrota? Carla conta que “as pessoas ainda não sabem a diferença de solidão para solitude”. Afinal, quem nunca se deparou com uma foto de um sujeito sozinho em um bar em que a internet viralizou com a legenda: “liberdade ou solidão?”.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Enquanto o debate cresce, muita gente acredita que alguns momentos, como ir ao cinema, caminhar na praça ou ir à praia, pressupõem acompanhamento. “As pessoas valorizam muito estar com companhias, estar com pessoas. Isso leva a acharem que a outra pode ser uma fracassada ou não ter ninguém”, comenta. Para ela, existe uma ressalva: “pode acabar se tornando negativa se a solitude se prolonga sem objetivo ou um determinado equilíbrio. É importante estar atento à qualidade e o excesso desse tempo sozinho”.
Em “Os quatro amores”, C. S. Lewis - nome que você pode ter conhecido em As crônicas de Nárnia - enxerga uma solidão inata a todo ser humano desde a vinda à terra: “Nascemos desamparados. Logo que estamos totalmente conscientes, descobrimos a solidão. Precisamos do outro física, emocional e intelectualmente; precisamos do outro se queremos saber qualquer coisa, até de nós mesmos”.
Para ele, isso surge de uma forma do amor que se chama “amor-Necessidade”: diferente do que ele classifica como “amor-Dádiva” - quando é dado sem nada em troca, como um pai que trabalha e guarda dinheiro para a prosperidade da família que não verá no futuro -, o amor-Necessidade surge da inevitabilidade da precisão do outro. Um exemplo disso, para ele, é uma criança que busca os braços da mãe quando sente medo.
“O sentimento ilusório de que é bom para nós estarmos sós -
é um sintoma espiritual ruim; assim como a falta de apetite
é um sintoma médico ruim porque nós realmente precisamos de comida”.
C. S. Lewis
Lembra de Vitor, o crítico aos que não abdicam do RU mesmo nos dias que estão sozinhos? Ao Entrepontos, ele confessa que, apesar do humor, o comentário conta com um fundo de verdade: “Baseado em algumas respostas, percebi que muita gente vai por falta de opção, seja essas opções falta de tempo ou falta de amizades mesmo. Meio que essa parte do fracasso social se encaixa, mas não diria como uma ofensa como eu coloquei no tweet. Socializar é difícil mesmo”. Depois de partir de São Paulo a Salvador para estudar, confessa que “meu maior medo era não ter amizades. Felizmente não foi o caso, mas tem gente que não é tão afortunada”.
DE IR AO CINEMA A VIAJAR SÓ
Pessoas como Vitor e Lewis não são as únicas a considerar a solitude como uma forma de, por vezes, renomear a solidão. Outras vão enxergar o ato de desfrutar da própria companhia como autossuficiência, até mesmo se isso significar atravessar fronteiras só. Aos 23 anos, Isabella Duarte leva isso como estilo de vida.
Há dois anos, a jovem paulista escolheu a região Nordeste como seu primeiro destino solo. Durante 30 dias, conheceu Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. “Eu não aguentava mais ficar esperando as pessoas terem disponibilidade de ir comigo, e comprei uma passagem e só fui”, conta. Desde então, já conheceu além de nove estados brasileiros, um país sulamericano: o Chile.
Com o estilo de vida nômade, Isabella também cria conteúdos para as redes sociais e incentiva que outras pessoas façam o mesmo: “Quando você fala ‘eu vou sozinha’, ainda não é visto como uma coisa normal e muita mulher tem muito medo de fazer. Quando eu comecei a viajar sozinha e me identifiquei muito fazendo isso, percebi o potencial que eu tinha para inspirar mulheres”.
Foto: Reprodução/Instagram
Nem todo mundo começa com o grande passo da viagem solo. Rafael Caires saiu de uma cidade com menos de 35 mil habitantes na região metropolitana de Salvador para cursar o ensino superior na capital baiana, e morar sozinho. Antes disso, conheceu a solitude ainda na infância. “Eu fui criado como filho único, então toda lembrança que eu tenho sobre isso, sempre foi comum eu fazer minhas coisas só, eu aprender a brincar só e tudo”, conta.
Com o tempo, o estudante percebeu que além de gostar de fazer os passeios do cotidiano da cidade grande sozinho, as viagens também poderiam ser igualmente proveitosas: “Minha primeira viagem sozinho foi para Ouro Preto. De início fiquei com medo, mas a vontade de ir era muito maior, então eu decidi que ia mesmo só, ia passar uns dias em Ouro Preto e viver uma experiência que eu nunca vivi”.
Dependendo do contexto, um diminutivo pode trazer mais ternura a uma palavra: menina, menininha; cachorro, cachorrinho; amor, amorzinho… e se para além da solidão, “sozinho” for apenas uma forma mais terna de estar só? Rafael deixa a reflexão: “às vezes um amigo não pode ir, outra pessoa tem algum problema, outra pessoa não gosta.
Como primeira viagem solo, Rafael foi para Ouro Preto, em Minas Gerais
Foto: Reprodução/Instagram
E se eu ficasse preso a isso, ia acabar indo para algum lugar?”.
Edição: Bernardo Maia e Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior