Leo Prado
Como ficou na moda ser saudável e o porquê isso pode ser prejudicial
Acordar antes do sol nascer, meditar, tomar um bom café da manhã e sair para correr: é mais ou menos assim que se iniciam as rotinas que vêm tomando conta das redes sociais nos últimos tempos. Essas práticas fazem parte do estilo de vida fitness, termo de origem inglesa que significa “estar em boa forma”. Acontece que esse lifestyle se tornou uma espécie de tendência, principalmente no Instagram, com influenciadores como Manuela Cit, ou Manu Cit, o principal nome do ramo na atualidade. Agora, outros como ela não param de surgir.
Influenciadora curitibana Manuela Cit, também conhecida como Manu Cit, com 1,7 milhão de seguidores no Instagram.
Imagem: Reprodução/Redes Sociais
As publicações entre esses influenciadores são muito parecidas, e o dia a dia também. Nos stories, mostram uma rotina carregada de atividades quase sempre associadas ao bem-estar, como corrida, natação, bike, musculação, entre outros esportes, além de uma alimentação saudável e uma gestão de tempo extremamente otimizada. E isso, acompanhado de numerosos anúncios publicitários para marcas do ramo, entre elas de roupas esportivas e suplementação. Mas o que há de errado em tudo isso?
O FENÔMENO
“Alguém começou a vender esse estilo de vida e as pessoas estão comprando. A indústria wellness, que é muito antiga no mercado, está lucrando muito em cima dessas pessoas. Todo mundo foi acolhendo esse movimento”, explica a graduanda em comunicação Hanna Andraus, que trabalha como social media e acompanha de perto as principais tendências da internet. "Eu gosto de analisar essas coisas, de analisar esses comportamentos”, compartilha. Para ela, a pandemia da COVID-19 foi um dos fatores que ajudaram a alavancar esse fenômeno: “As pessoas começaram a aparecer muito na internet, porque não tinham nada para fazer em casa. Então, começaram a mostrar a vida”.
A estudante de administração Marina Gouveia é um exemplo de como essa moda está ganhando força nas redes. Seu perfil no Instagram, criado no início de 2023 e focado na sua rotina saudável, conta com pouco mais de 2 mil seguidores e já recebe propostas comerciais. “Estão vindo muitas marcas entrando em contato comigo querendo fechar parceria. Eu já recebi propostas absurdas”. Ela diz até já ter recusado ofertas para divulgação de casas de jogos de azar e das chamadas cápsulas emagrecedoras. “Não existe optar por isso, por mais que seja um dinheiro fácil”, justifica. A jovem também conta que, mesmo começando despretensiosamente, já vê o seu perfil na rede social como uma possibilidade de carreira profissional: “Hoje em dia, meu Instagram é meu trabalho. Uma coisa que eu percebi é que quando você trabalha com Instagram, você trabalha 24 horas por dia. Não importa o lugar que eu esteja, eu estou sempre pensando no que eu tenho que produzir para a semana e quais serão os conteúdos”.
Marina Gouveia, 20, costuma praticar corrida pelas manhãs na região da Barra, em Salvador.
Imagem: Acervo pessoal
Para Marina, o surgimento dessa tendência tem relação com costumes de outras épocas: “A moda é cíclica, ela sempre volta. Dos anos 90 para os anos 2000, também houve essa fase da garota esportista”. Relacionando aos tempos atuais, ela cita termos como “the girl”, que viralizaram no TikTok durante a pandemia. A expressão se refere, justamente, à uma idealização de garota perfeita e saudável. “É a menina que se cuida, faz as coisas dela sozinha, vai para a academia e come lanchinhos bonitinhos e aesthetic”.
NEM TUDO SÃO FLORES
Apesar do sucesso, esse movimento não agrada todo mundo. As principais críticas dos internautas se referem ao perigo de mostrar rotinas como essas nas redes sociais e de que forma isso pode afetar o público que as acompanha. “A gente percebe muito essa idealização, esse palco para uma vida perfeita e saudável. Muitas vezes, a internet reforça essa crença e as pessoas acabam comprando essa ideia, que é irreal”, analisa a psicóloga Natália Costa, professora da Universidade de São Francisco (USF) e da Faculdade Santo Antônio (FSA). “Na clínica, com os meus pacientes que têm questões de dificuldade no manejo da rede social, eu faço uma ‘limpa’ com eles de quem eles seguem”, comenta.
Natália explica que o sucesso desses influenciadores se sustenta na “necessidade do ser humano de pertencimento”, ou seja, seguir regras e hábitos de um determinado grupo ou conjunto, o que pode se tornar problemático. “O grande ponto é que as pessoas perdem a mão nesse processo de busca, muitas vezes, do irreal. Buscam essa vida saudável baseada na vida de outra pessoa, de um outro protocolo”. A psicóloga fala como a comparação com a vida daquele influenciador pode ser prejudicial para o público – ela sinaliza: “Olha o perigo de alguém colocar como meta correr 20km por dia sendo que tem uma jornada de trabalho que mal tem tempo para comer”.
A falta de tempo afeta ainda mais as mulheres, que são o principal público alvo desses conteúdos. Uma recente reportagem do jornal The New York Times sobre estudos realizados nos EUA diz que o sexo feminino tem menos tempo para atividades físicas em comparação aos homens. O texto diz que, segundo um relatório de 2024, as mulheres têm, em média, 13% menos tempo livre do que homens, sendo as mais afetadas aquelas entre 35 e 44 anos. Segundo especialistas, a diferença entre os gêneros tem a ver com a demanda desproporcional imposta sobre essas mulheres de tempo e trabalho no cuidado da casa e de outros.
Marina diz que tem consciência da posição de privilégio que ocupa: “Existe essa questão de comparar as rotinas. Eu acho que cada pessoa tem a sua realidade. Eu tenho muitos privilégios: não tenho filhos, não tenho marido, não tenho que cuidar de casa, pegar transporte público”. Ela explica que, no Instagram, tenta mostrar uma rotina equilibrada, focada na “vida real”, visando combater essa imposição de padrões, principalmente, na alimentação: “Eu não me enquadrei muito nisso de mostrar essas coisas, de comer bem todos os dias. Eu percebi que a galera não gosta de mil maravilhas. Eles podem até fingir que gostam.”
Imagem viral nas redes sociais. Na foto, uma internauta questiona uma publicação da Manu Cit.
Imagem: Reprodução/Redes Sociais
“É uma rotina inalcançável. Eu tenho faculdade, estágio, faculdade de noite e tenho meu trabalho. Como eu vou encaixar nessa rotina acordar às 3h da manhã, fazer atividades físicas, comer ‘limpo’, voltar para casa, e dormir 10:30 da noite se eu saio da faculdade às 22h?”, questiona Hanna. Ela fala como as rotinas vendidas pelos influenciadores são inacessíveis, muitas vezes, por questões financeiras: “Os suplementos que elas mostram e vendem, por exemplo, cada um custa 200 ‘pau’ ”. Natália explica que essa diferença de realidade pode gerar danos, inclusive, na saúde mental: “A gente tem um aumento muito significativo nos transtornos de distorção de imagem, de problemas relacionados à autoestima, questões corporais, competitividade e desmotivação”.
“Eu acho que eles [os influenciadores] não têm nem a ideia do mal que estão fazendo. Talvez a grande maioria ache que está sendo uma influência para o aspecto motivacional. Mas o problema é que existem pessoas muito vulneráveis a nível de saúde mental que isso pode servir, não como motivação, mas quase como um instrumento de tortura”, lamenta a psicóloga e professora.
Edição: Gabriel Freitas e Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior