Eduardo Santana
O cenário musical de Salvador, durante a década de 1980, começava a ganhar forma com um gênero que se transformaria em uma verdadeira revolução. Sinônimo de energia, identidade e resistência, o Axé Music surge como resultado de anos de experimentação e reinvenção cultural. O nome foi criado pelo jornalista Agamenon Brito, que usou o termo em uma matéria no jornal A Tarde para definir o movimento musical que misturava ritmos como ijexá, samba-reggae e frevo, emergindo com força no cenário cultural de Salvador.
Mais do que um estilo musical, esse movimento rapidamente se estabeleceu como um fenômeno cultural, impulsionado por artistas como Daniela Mercury, Margareth Menezes e Bell Marques. Eles não só popularizaram o som, mas também projetaram o Carnaval de Salvador no cenário internacional. Com milhões de foliões nas ruas, a capital baiana consolidou-se como o maior Carnaval do mundo, atraindo turistas de todo o Brasil e de mais de 70 países. Em 2023, por exemplo, cerca de 3 milhões de visitantes circularam por Salvador e outras 90 cidades do interior, gerando R$ 6,6 bilhões na economia, segundo a Secretaria de Turismo do Estado (Setur-BA). Por conta da grande popularidade, o período carnavalesco é o palco para o lançamento de novos sucessos do gênero.
Cantores se reuniram para comemoração dos
30 anos da Axé Music em 2015
Foto: Reinaldo Marques / Gshow
Desde os anos 1990, a música baiana conquistou o público de várias regiões do Brasil. Reinaldinho do Samba, 52, ex-vocalista do grupo Terra Samba, foi um dos principais nomes do gênero nesse período. Em entrevista ao Entrepontos, ele relembra como a entrada no mercado nacional representou uma grande conquista para sua carreira. “Na época, Olímpia, em São Paulo, e Metropolitan, no Rio de Janeiro, eram palcos onde só se apresentavam grandes artistas, como Roberto Carlos e os sertanejos, nomes de alto nível. Essas duas casas, pra gente, significavam muito, porque sabíamos que tínhamos quebrado as barreiras e chegado no ápice".
A expansão do ritmo não se limitou aos grandes centros culturais. Presente em micaretas, festivais e shows por todo o Brasil, ele encontrou solo fértil também no interior da Bahia. Em Feira de Santana, a tradicional Micareta tornou-se um espaço para a valorização do gênero. Foi nesse contexto que surgiu a banda Afro Pretos de Preta, criada em 2002, por Arlécio Araújo, com o objetivo de celebrar a cultura afro na cidade. "O axé é a base do meu segmento musical, é o que guia o meu trabalho e o que me conecta com as pessoas. Eu sempre digo: você pode ir pra qualquer show, pra qualquer canto, mas me diga, tem como uma pessoa não cantar um axé? Não tem como! É impossível", afirma o cantor e produtor.
Da esquerda à direta: Reinaldinho, Arlécio Araújo e banda Pretos de Preta
Reprodução: Alô Alô Bahia / Instagram
Ao longo desses 40 anos, o ritmo passou por diversas transformações para se adaptar às mudanças no cenário musical. Reinaldinho destaca que, com a chegada da internet, o gênero pôde alcançar ainda mais pessoas. “Hoje, com as redes sociais e outro tipo de mídia, você consegue acessar o público de uma maneira muito mais direta. Naquela época, era tudo analógico. Não existia essa facilidade, e o alcance era mais limitado”. Arlécio ainda enfatiza o papel das plataformas de streaming na preservação e disseminação da música. Para ele, serviços como Spotify e YouTube ajudam a manter viva a memória do movimento, permitindo que clássicos do passado sejam redescobertos por novas gerações. "Você vai no Google, digita lá ‘sucessos de Sarajane’, e pronto, tá lá, energia do Axé batendo forte".
O gênero também é um exemplo da capacidade de se reinventar, mesmo em uma época em que as paradas musicais estão dominadas por outras vertentes musicais, que acabam influenciando o estilo. Para Arlécio, essa habilidade de adaptação é essencial para o ritmo continuar cativando o público e ocupando um lugar especial no cenário musical brasileiro. "Hoje em dia, temos gêneros como o piseiro e o arrocha ganhando espaço. Mas quando o axé toca, todo mundo respeita. Ele continua forte e vivo aqui na Bahia e em todo o Brasil." Segundo o feirense, a força e a emoção do gênero se mantêm vivas em músicas como "Faraó" e "Protesto do Olodum", consideradas ícones da Axé Music.
A relevância do ritmo para a música brasileira o consagrou como um grande símbolo da cultura nacional, sendo uma das principais referências quando se fala de Brasil. No entanto, a importância da Axé Music vai além, pois se destaca como um poderoso instrumento de representação da identidade afro. No artigo “Axé-Axé: o megafenômeno baiano”, Ianá Pereira analisa como, apesar de ser visto por alguns como uma expressão menor da cultura baiana, o Axé desempenha um papel central na valorização da negritude. Suas canções trazem, de forma recorrente, os dramas e desafios da afrodescendência, promovendo uma importante retomada da autoestima da população negro-mestiça.
Desde sua criação, a Micareta de Feira só não ocorreu em duas ocasiões:
durante a Segunda Guerra Mundial e Golpe de Estado de 1964
Foto: Correio da Bahia / Divulgação
Para antigos e novos fãs, o Axé Music teve e continua tendo um grande impacto na forma como se conectam com a própria identidade. Gabriel Santos, 22, estudante, cresceu em Salvador ouvindo ritmo e fala sobre a influência do gênero em sua vida. “Eu não consigo definir qual foi o meu primeiro contato com o Axé Music porque não consigo pensar em mim, em minha infância, sem ele. Acho que ter crescido em uma cidade tão festiva e com pais apaixonados por música, sobretudo baiana, fez essa aproximação acontecer de maneira bem orgânica”. Para o estudante, as canções de Axé sempre foram trilha sonora de momentos marcantes, desde as festas de rua até os carnavais em família.
O soteropolitano aponta que a resistência da Axé Music não está apenas em sua origem, mas em sua capacidade de se manter firme diante das mudanças do mercado musical. "Se, há 40 anos, o movimento precisava demarcar seu espaço no cenário musical, hoje ele precisa garantir que aquele espaço, conquistado há quatro décadas, permaneça e não se submeta à lógica do capital e das produções musicais atuais". Para ele, isso exige um compromisso constante com a valorização da sua essência, das suas influências culturais e das histórias que o gênero carrega. “O Axé Music é uma questão de identidade mesmo. É sobre entender o Axé para além de um gênero musical: é, inegociavelmente, parte da identidade da capital baiana, sobretudo das pessoas negras”.
Margareth Menezes é considerada diva da Axé Music
Foto: AmEmPauta
Edição: Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior