Bernardo Maia
Mais do que simples cultura brasileira, as telenovelas são um fenômeno à parte no cotidiano brasileiro, ou pelo menos, já foram. Na década de 1980, as novelas Roque Santeiro e Tieta, da TV Globo, ultrapassaram 70 pontos no Índice Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), cobrindo 7 em cada 10 televisores em residências no país. Com a chegada e consolidação da internet, a TV aberta perdeu seu grande espaço político, publicitário e, principalmente, de divertimento para as telinhas dos smartphones, tornando a reinvenção uma necessidade cada vez maior aos seus donos.
Internet ultrapassa a televisão aberta em investimentos publicitários pela primeira vez em 2024; margem era de 6% em 2022. Reprodução: Metrópoles
Nessa tentativa de renovação no mercado das telenovelas, que sofriam com uma queda exponencial na audiência, uma nova febre ganha força no calendário de inovação das emissoras brasileiras para 2025: as novelas verticais. Sucesso em países como China e Estados Unidos, as novelas das telinhas do celular trazem um modelo mais compacto de espetáculo, que se atêm às métricas de duração curtas, chegando aos 90 segundos por episódio. Eles se dividem em dezenas de capítulos publicados em um menor período de tempo. Em 2022, surgiu como destaque mundial a novela “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, que repercutiu entre os empresários da comunicação em todo o país. Criada pelo casal de brasileiros Katharina Albuquerque e Iury Pinto, a novela, que, segundo eles, foi menos custosa que a produção de um filme amador, alcançou 500 milhões de visualizações no Reel Short, plataforma própria para consumo de vídeos do formato.
Com o enquadramento reduzido e episódios pagos, o microdrama acumula milhões em engajamento no ReelShorts. Foto/Internet
Último sucesso da Rede Globo, a novela “Vale Tudo”, foi veiculada entre março e outubro de 2025. Para produzi-la, a TV Globo chegou a gastar um milhão de reais por capítulo, além de movimentar gravações por mais de um mês, em episódios longos publicados de maneira fracionada durante a semana. Para o motorista por aplicativo José Marcelo, essa periodicidade limitada não condiz com a realidade de seu consumidor. “Novelas fazem parte do meu momento sagrado, mas o meu trabalho dificilmente me permite assisti-las tanto quanto eu gostaria. As verticais são curtas e quase sempre já estão com todos os capítulos disponíveis, isso sem custo adicional algum”.
Obedecendo à demanda de renovação no catálogo, o SBT lançou uma série-novela que transita para o vertical. Com episódios de 10 minutos no YouTube e produção de cortes de 90 segundos, a emissora busca no seriado “Refollow” reconexão com o público mais jovem, principalmente em plataformas populares para a Geração Z, como o TikTok e o próprio YouTube. A Rede Globo não ficou para trás, anunciando duas novelas verticais ainda no final do ano: “Tudo por uma Segunda Chance” e “Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário”. A emissora aposta em atores ligados ao público mais jovem, como Gustavo Mioto, e na divulgação do produto nas redes sociais da empresa e em outras novelas para tentar atrair um novo público aos teledramas.
Microdrama do SBT conta com reels de melhores momentos e transmissão ao vivo no YouTube
Para a estudante Júlia Mendonça, o alcance dessas novelas ainda não alcança a nova geração. "Tenho muitas colegas de minha idade que são apaixonadas por novelas, mas o apelo é muito maior no formato da televisão; as do celular não conversam a mesma língua que a nossa", afirma a adolescente de 14 anos. O produto também não agrada Cleide Mendonça, a mãe de Júlia, que associa o formato aos malefícios dos vídeos curtos. “Não incentivo minha filha a consumir esse tipo de novela porque se opõe à minha filosofia de não consumir vídeos rápidos”, e completa: “Novelas devem ser desfrutadas com calma, com disposição para ver e processar aquilo que está sendo assistido”.
Apesar da dificuldade em assimilar o público tradicional, as novelas verticais buscam se diferenciar das conhecidas telenovelas, atraindo um público diferente sem ameaçar a audiência da ‘irmã mais velha’ e muito menos ameaçar a sua produção. Muitas vezes, novelas de transição trazem o melhor dos dois mundos e conseguem atrair os dois nichos, como avalia o analista em teledramaturgia Lucas Abreu. “A novela Beleza Fatal é um ótimo exemplo dessa transição, é uma [novela] de apenas 70 episódios, quase metade se comparada às que estão em exibição na televisão, mas com 50 a 70 minutos de duração, curta e assertiva. Não só isso, a publicação de ‘Beleza Fatal’ se deu no serviço de streaming pago, uma decisão arriscada e imprevisível que foi de grande sucesso”.
A migração para as telinhas é inevitável, mas o futuro é brilhante. O novo formato chega para ficar sem precisar competir com sua versão tradicional, atraindo um público diferente e satisfazendo as novas demandas do mercado da teledramaturgia.
Na exploração desse mercado que ainda engatinha na grande mídia brasileira, desafios como a adesão ao uso da inteligência artificial, muito comum no ramo, e a própria dificuldade em atrair a Geração Z para o consumo das novelas já problematizam a breve chegada das novelas verticais. Enquanto a resposta para nada disso surge, o que resta é scrollar, pois o próximo episódio desta trama está a um piscar de olhos, tão breve quanto o movimento norte-sul do polegar.
Edição: Bia Nascimento e Leo Prado
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior