Izabela Prazeres
Na era dos algoritmos, trends do TikTok e músicas feitas para viralizar, a música pop, muitas vezes, pode soar repetitiva, previsível, feita para agradar rápido e desaparecer na mesma velocidade. Enquanto o mainstream - os produtos feitos para o grande público - gira em looping, o que está à margem parece operar em outra frequência. Na Bahia, novos artistas estão criando um som popular que mistura referências globais com raízes locais, experimentando diferentes vertentes do que parece dominar as paradas. Diante de todas as possibilidades, surge uma pergunta: será que o pop feito na Bahia está propondo um novo jeito de entender o que é pop no país inteiro?
A resposta não é simples, mas pensar nela obriga a rever o próprio conceito de pop no Brasil. Durante décadas, o gênero foi associado a um padrão homogêneo, centrado no eixo Sul-Sudeste - tanto no som quanto na estética - ditado por uma indústria que define o que é vendável e palatável. Segundo a Pro-Música Brasil, entidade privada que representa as principais gravadoras do mercado fonográfico nacional, em janeiro de 2024, apenas 2 das 30 músicas com mais reproduções no país contam com a presença de artistas nordestinos.
Mas e se esse centro não for o único que importa? Na Bahia, o que se entende como pop é construído a partir de um percurso que atravessa gerações. O axé foi uma das grandes explosões pop do estado, com ícones como Daniela Mercury, Ivete Sangalo e É o Tchan popularizando uma linguagem musical que nasceu na rua e ganhou projeção nacional. A partir de 2010, nomes como BaianaSystem e Larissa Luz incorporaram uma sonoridade mais pesada, com novos recursos tecnológicos e discursos mais experimentais, formando o que aparenta ser uma nova fase do que seria a música pop.
Hoje, artistas como ÀTTØØXXÁ, Afrocidade, Melly e Duquesa seguem reinventando a música baiana, misturando axé, trap, amapiano, afrobeat e R&B. O resultado é um som que absorve o global, mas fala com sotaque local.
“A gente cresce com uma célula rítmica daqui, da nossa terra — do arrochinha que a gente ouve, da macumba que ressoa por aí, do tipo de música que embala a nossa vivência. E eu acho que o sabor da mistura disso com o que a gente está absorvendo do mundo tem gerado uma sonoridade que é esse pop baiano — essa parada mais fresca, uma reinterpretação do que estamos ouvindo da África, com o amapiano, misturado ao axé, criando outras coisas”, explica Manigga, produtor musical e DJ nascido em Salvador. No último ano, foi indicado ao Grammy Latino com o disco Amaríssima, da cantora Melly.
O produtor acredita que o que está sendo feito quebra com a expectativa de que a música pop precisa necessariamente ser homogênea. “A musicalidade que tem saído da Bahia tem sido uma referência. É muita identidade, muita coisa forte surgindo. Essa fusão do orgânico com a tecnologia mudou a forma de se fazer música aqui nos últimos anos, só isso já diz muito”.
Essa mistura tem gerado frutos inegáveis: desde Melly indicada ao Grammy até o fenômeno do pagodão baiano viralizando no TikTok. “O público daqui sempre foi receptivo a novos sons, mas agora estamos exportando nossa própria visão pro Brasil todo”, observa. “A tecnologia trouxe novas cabeças pra cena, gente como eu, que aprendeu a produzir experimentando no computador. Isso acelerou nossa evolução e diversificou as visões sobre como trabalhar nossas raízes”.
Manigga assinou cinco faixas no álbum Amaríssima, indicado a Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa no Grammy Latino 2024
Foto: Reprodução / Instagram
Vídeo: Reprodução / YouTube – Canal Melly Oficial
Vinícius é conhecido pelas threads sobre música no Twitter e vem acompanhando de perto a nova cena baiana. Na foto, ele entrevista o rapper baiano Alee
Foto: Reprodução / Instagram
Mas será que dá pra chamar tudo isso de "pop baiano"? Para Vinicius, @sommelierdernb no Instagram e produtor de conteúdo musical que reúne mais de 40 mil seguidores nas redes sociais, a cena é diversa demais para caber no rótulo de um ritmo só.
"Tem BaianaSystem e o ÀTTØØXXÁ, que trazem o pagode; tem a Melly e a Duquesa, que flertam com o R&B e o rap; tem a Rachel Reis e a Luedji Luna, que caminham por uma pegada mais MPB, são vários estilos que compõem essa cena e que estão furando a bolha”, explica.
O criador de conteúdo enfatiza que o pop feito no estado inclui até artistas do pagodão que têm atravessado os limites do gênero. “Dá pra falar também de O Polêmico e O Kanalha, que são artistas do pagode e conseguiram colaborar com nomes do pop nacional, como Gloria Groove e Pabllo Vittar. Isso mostra o quanto o som da Bahia tem potência de se conectar com diferentes públicos”.
O que está em jogo, portanto, não é apenas uma nova cena musical, mas uma mudança de perspectiva sobre o próprio significado de pop no Brasil. Ao se afastar das fórmulas consolidadas e apostar em narrativas próprias, a produção baiana amplia o repertório sonoro do país e desafia as fronteiras do estado.
Edição: Bia Nascimento e Leo Prado
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior