Thyffanny Ellen
A forma como nos conectamos virtualmente já transformou por completo o conceito de relacionamento idealizado nas últimas gerações. Em 1995, com o lançamento do site de encontros Macth.com e, menos de uma década depois, o primeiro aplicativo para o mesmo fim, o OkCupid, a busca por relacionamentos migrou - em parte - para o ambiente digital, possibilitando a conexão entre pessoas de diferentes lugares e com interesses em comum. Desde esse momento, algo mudaria: já era possível criar uma persona online em busca de um par ideal.
Se na vida real as pessoas incorporam personalidades adequando-se ao que querem mostrar para cada “contatinho”, no espaço digital isso é ainda mais fácil. As chances de interação que esse mundo oportuniza trazem consigo alguns desafios, como a dependência tecnológica e a construção de identidades virtuais que podem divergir da realidade. Existe também o perigo de que a intensificação dos relacionamentos online prejudique o estado mental das pessoas e seus relacionamentos “offline”.
Aplicativos como Tinder e Bumble ultrapassam a marca de 95 milhões de usuários que buscam encontrar parceiros amorosos. Em sua maioria, esses apps não fornecem verificações rigorosas de identidade, permitindo que qualquer um se inscreva e interaja com um grande número de pessoas. O fato de que os usuários acessam essas plataformas a partir de locais dispersos e podem esconder sua identidade atrai diversos indivíduos mal intencionados, que criam perfis fictícios para manipular e explorar os outros. Isso expõe elas a diversos riscos, incluindo catfishing, golpes financeiros, e assédio cibernético, arruinando a autenticidade e a segurança do ambiente.
Em junho de 2024, o jovem Leonardo Rodrigues foi assassinado em São Paulo após marcar um encontro por meio de um aplicativo de relacionamento gay, o Hornet. Leonardo estava preocupado com a segurança do encontro e compartilhou a localização com amigos antes mesmo de sair de casa. Horas depois, como não havia retornado até o horário combinado, um amigo registrou um Boletim de Ocorrência sobre seu desaparecimento. As suspeitas aumentaram quando o perfil do outro rapaz desapareceu do aplicativo. Horas depois, Leonardo foi encontrado baleado e levado a um hospital. De acordo com relatos dados ao portal de notícias G1, outras vítimas asseguram que uma quadrilha opera na região do Sacomã, na Zona Sul, e pelo menos três pessoas foram roubadas. Os criminosos criam perfis em aplicativos de relacionamento e marcam encontros para roubar os rapazes.
Leonardo aos 24 anos
Reprodução: Redes Sociais
Em aplicativos de relacionamento, as identidades das pessoas são públicas, mas as conexões que formam frequentemente se baseiam em percepções distorcidas da realidade. Atrás das telas, qualquer identidade pode ser construída, e essa capacidade de criar perfis e apresentar uma versão idealizada de si mesmo facilita a manipulação de outros usuários. Dessa forma, uma pessoa tímida pode parecer completamente extrovertida virtualmente, por exemplo. Ou, em casos extremos, alguém pode não ter nem as características físicas ou de personalidade que afirma ter.
Se para alguns, o que os olhos não veem o coração não sente, na internet o que os olhos veem a realidade nem sempre traduz. Assim como afirma o filósofo francês Saint-Simon, a rede é o lugar visível e vínculo invisível, ou seja, a visibilidade das identidades nem sempre é semelhante à visibilidade das intenções.
Edição: Leo Prado
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento