ISABEL QUEIROZ
Conhecer alguém, conversar todos os dias, do “bom dia” ao “boa noite”, ter encontros, incluir essa pessoa na sua rotina, e, quando tudo estiver bem, lidar com um sumiço repentino, sem motivos aparentes. Parece estranho e confuso, não é? Mas esse não é um cenário incomum nas relações atuais. A prática conhecida como “Ghosting”, tem sido naturalizada nas redes sociais. Traduzida para o português, a palavra vem de “Ghost”, que tem significado literal de “fantasma” e se refere ao ato do sumiço repentino por uma das partes de um relacionamento, sem que haja uma explicação, ou aviso prévio.
Não é novidade que a internet e as redes sociais mudaram a forma como nos comunicamos e interagimos em sociedade. Entre essas mudanças, os códigos de relacionamento também foram atualizados. Termos como ghosting, que estão em alta nas redes sociais e muitas vezes viram até memes, descrevem comportamentos problemáticos em relacionamentos. Com o aumento da comunicação digital, essas práticas tendem a ocorrer com mais frequência, afetando o bem-estar emocional de quem precisa lidar com essas situações.
Sem nenhuma explicação, lidar com os questionamentos gerados por esse comportamento pode ser angustiante para quem está do outro lado. A falta de verbalização abre espaço para muitas hipóteses. João (nome fictício), estudante de 19 anos que preferiu não se identificar, compartilha que chegou a associar os motivos a si mesmo: “No começo, foi bem complicado, não na autoestima física, mas na minha personalidade. Eu ficava pensando que talvez o problema tivesse sido eu, que eu tivesse sido muito carente ou algo do tipo. É uma dúvida que acho que fica na mente de todo mundo. Será que eu fui muito carente? Será que eu fui muito emocionado? Será que eu fui muito desesperado?” relata.
O padrão de comportamento, muito antes conhecido como “dar perdido”, é algo que acontece há anos. Mas o que diferencia essa conduta no ambiente virtual é a facilitação do ato. Como essa interrupção abrupta na comunicação não é difícil, muitos praticantes do ghosting realmente somem: bloqueiam nas redes sociais, mudam de número ou simplesmente passam a ignorar a outra pessoa. As redes sociais, incluindo os aplicativos de relacionamento, tornaram as interações mais casuais, dando margem para que as relações amorosas sejam vistas como descartáveis. E com todo esse excesso de contatos, o resultado acaba sendo a banalização das responsabilidades afetivas com o outro.
Realizada pelo aplicativo de namoro Plenty of Fish (POF), uma pesquisa revelou que cerca de 78% dos participantes já passaram por experiências de ghosting, mostrando que 8 em cada 10 pessoas tiveram que lidar com essa prática. Isso aumenta o receio entre os usuários de apps de namoro, especialmente porque o comportamento muitas vezes ocorre após encontros ou conversas intensas.
Gabriela (nome fictício), universitária de 20 anos, que também optou por não se identificar, conta sua experiência ao optar por dar ghosting em uma “ficante”: “Por várias questões minhas, referente a sexualidade, eu pensei: ‘vou parar isso antes que se desenrole mais’. Eu não estava preparada para namorar uma mulher, então parei de me comunicar, só que eu não falei nada a ela, só dei um gelo.” Gabriela conta que se arrependeu e que poderia ter feito diferente: “Meu ghosting foi por falta de coragem em assumir quem eu sou. Pode ser visto como uma auto-preservação; no meu caso, usei como tal, mas não é a melhor maneira de se proteger. Poderia simplesmente ter conversado com ela. Tudo poderia ter sido resolvido com uma conversa”.
Uma pesquisa publicada na Psychology Today revela que os adultos emergentes, entre 18 e 29 anos, são os que mais recorrem ao ghosting em relacionamentos. Essa é a faixa etária que jovens adultos costumam explorar diversas áreas de suas vidas, incluindo orientação sexual, educação, redes sociais e conexões familiares. Fatores que têm um papel significativo nas decisões de fazer ghost em alguém.
Para Kauã, estudante de 19 anos, bissexual, optar pelo ghosting se tornou uma prática inconsciente em algum momento: “Quando eu começava a ter desinteresse, falta de vontade de continuar conversando, ou porque alguma coisa não batia, ou simplesmente porque não achava mais a pessoa tão atraente quanto no começo, eu simplesmente parava de conversar e sumia. Eu não a excluía dos seguidores, nem parava de seguir. Minha prática era apenas parar de responder, não só quando eu tinha algum problema com a pessoa, mas também quando era algo comigo”, conta.
Foto/Simulação: Venicius Rodrigues
“Acredito que sempre fui essa pessoa que evita conversas diretas. Eu poderia ter falado com a pessoa: ‘olha, tal coisa não está me fazendo bem’ ou ‘não estou mais interessado’. Poderia inventar qualquer desculpa para explicar meu desinteresse. Ao invés disso, parava de responder, deixando a pessoa pensando: ‘nossa, por que será que ele parou de falar comigo?’ Hoje em dia, tento ao máximo evitar que isso aconteça. Estou tentando aos poucos organizar meus sentimentos e verbalizá-los para que a outra pessoa possa entender o motivo do afastamento, porque acho que todos merecem uma resposta”, explica Kauã.
Estudos revelaram que o ghosting pode chegar a provocar o “Efeito Zeigarnik”, termo criado no século XX, pela psicóloga russa Bluma Wulfovna Zeigarnik. Isto é, quando o cérebro faz com que a pessoa fique remoendo sobre uma situação não resolvida. Esse processo gera um estresse emocional constante, se tornando um ciclo de autorreflexão intensa e podendo contribuir para sintomas de ansiedade e depressão. Outros impactos psicológicos são sentimentos como: desprezo, tristeza e baixa autoestima. Esse tipo de rejeição silenciosa, em alguns casos, leva as pessoas a evitarem relacionamentos futuros ou a adotar uma postura mais defensiva ao se relacionarem.
Como vítima, Brenda Nascimento, de 21 anos, compartilha o quanto ficou irritada e frustrada: “eu tinha criado uma expectativa, idealizei algo que não ia acontecer”. Ela conta que, após o sumiço, tentou entrar em contato, mas foi ignorada: "quando percebi que a pessoa ia desaparecer, para dar um basta no que estava sentindo, mandei uma mensagem e coloquei um limite, um prazo. Se naquele dia a pessoa não respondesse, era porque realmente não queria nada. E foi o que aconteceu. Eu mandei a mensagem, não respondeu e até hoje estou no vácuo, inclusive”.
Ela também explica por que acredita que as redes sociais facilitam o sumiço: "No WhatsApp, a gente não sabe quando a outra pessoa está ativa, pelo menos não agora que tem a opção de tirar o online visto por último”. Casos como os de João, Gabriela, Kauã e Brenda mostram que, ainda que não haja um relacionamento formal, o ideal é não excluir a possibilidade de uma conversa para esclarecer a intenção de não seguir com o contato. Na maioria dos casos, o problema está relacionado a quem pratica o ghosting e não a uma característica ou atitude específica da vítima. Apesar disso, a comunicação é fundamental: muitas vezes, no entanto, dar uma justificativa ou simplesmente dizer “não” parece mais difícil do que simplesmente desaparecer.
Edição: Leo Prado e Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior