Thyffanny Ellen
No largo riso dado ao entender uma piada interna mora muito mais do que uma conexão entre duas pessoas. Há uma intimidade silenciosa que se constrói nos pequenos gestos: o ombro em que escorre o choro oferecido sem nem precisar pedir acalento, um áudio enviado só pra dar risada, o silêncio que não constrange. Com o tempo, laços assim mostram que o amor não está restrito a um único formato e que amizades também podem ser companhias únicas. Assim, do lado esquerdo do peito, pouco a pouco uma nova morada nasce, floresce e fica — não por obrigação, mas porque faz sentido estar ali.
Para muita gente, o tratamento recebido pelos amigos se torna a base do que é esperado em um relacionamento amoroso. Eles educam, acolhem e ensinam sobre cuidado e respeito antes mesmo que um par romântico chegue. A amizade, assim, pode até substituir ou postergar o desejo por um amor “ideal”, pois oferece exatamente as coisas que muitos procuram: pertencimento, aceitação e liberdade para existir.
MEU AMIGO, MEU AMOR
Num piscar de olhos, as amizades podem ganhar um papel central na rotina. E, se quanto mais melhor, que estejam também nos mais diversos contextos. Na correria da faculdade ou numa mesa de bar, Luan Morais, 21, tem amigos com quem contar — companhia não falta, e é das boas. Para ele, a amizade é muito mais do que estar junto — é um verdadeiro abrigo. “Minhas amizades são aquelas pessoas que me lembram de quem eu sou mesmo quando eu esqueço”.
O estudante de filosofia explica que os amigos representam um espaço de aconchego, liberdade e cuidado mútuo, no qual ele não tem que se mostrar de um jeito diferente do que realmente é. “Com meus amigos, eu não preciso performar nada, não preciso de filtro, eu posso ser vulnerável, rir alto, chorar, existir com leveza”. De maneira sutil, a definição de uma palavra tão ampla é facilmente resumida: “Amizade pra mim é isso, quando o tempo não pesa e o silêncio não incomoda.”
Luan, à esquerda, com seus amigos Sofia e João Leonardo
Foto: Acervo Pessoal
Para a psicóloga Bianca Reis, ter uma rede de apoio é essencial, e a noção de pertencimento, individualidade, autenticidade e reconhecimento são fundamentais para a saúde mental. A visão do estudante sobre o que é a amizade pode provar esse ponto: “Eu amo a amizade. Nessas relações eu percebo que o amor não está só num relacionamento amoroso. Ele está nos vínculos que a gente constrói nesses gestos de pequena lealdade do dia a dia. É um tipo de amor que quando está tudo desmoronando, quando tudo balança, o que segura a gente são as amizades, não esse amor romântico”.
Não existe um jeito protocolado para demonstrar afeto entre amigos. Do ombro oferecido nos momentos difíceis ao simples gesto de lembrar uma data, são muitas as formas de reafirmar que se importa com alguém. A forma como os amigos tratam uns aos outros pode servir de espelho: faz pensar sobre o cuidado que se merece em qualquer relação. No caso de Luan, foram justamente essas amizades que serviram como luz para o que ele deveria esperar da chegada de um par romântico. “Minhas amizades foram um tipo de ensaio bonito pro amor. Aprendi sobre cuidado, escutar de verdade, dar espaço e também saber quando se aproxima mais, quando chegar mais perto. Com meus amigos eu entendi que amar alguém, de qualquer forma que seja, é também respeitar, rir junto, pedir e aceitar desculpas e é estar ali enquanto você, ser presença mesmo no silêncio”.
Luan já reuniu o grupo de amigos com a mãe
Foto: Acervo Pessoal
Mesmo com muitos amigos, no coração de Luan também há espaço para um romance. De uma grande amizade brotou um grande amor, mas a relação de amigos não ficou para trás. “Minha namorada era e continua sendo a minha melhor amiga. O que muda é o tipo de intimidade, mas a base é a mesma: cuidado, lealdade e risada fácil. O amor romântico sem amizade é só fogo de palha, e a amizade com amor vira abrigo — seja ele qualquer tipo de amor, mas, com amor romântico, vira um belo lar.”
MEU AMOR, MEU AMIGO
Se para muitos as amizades trazem estabilidade, para outros o relacionamento amoroso traz algo fundamental: um porto seguro. Para Edson Barbosa, 21, o relacionamento amoroso trouxe uma dimensão de confiança que vai além do que ele já vivencia com os amigos. “Eu tenho uma pessoa com quem posso conversar sobre qualquer coisa, sem medo de julgamento. Isso trouxe mais segurança para minha vida”. Essa confiança, no entanto, não diminui o espaço para as amizades, que continuam presentes e até integradas ao namoro. “Meus amigos também são amigos do meu namorado, e eu conheci gente nova através dele. Isso ajudou a expandir meu círculo social”.
Edson e os amigos que conheceu na graduação
Foto: Acervo Pessoal
Mesmo que esteja em um relacionamento, a rede de apoio construída com os amigos ainda constitui uma parte essencial de sua vida. “Se estou precisando desabafar, mando mensagem para o grupo de amigos, porque assim mais pessoas podem me ouvir e ajudar. Mas também falo com meu namorado, porque ele é quem está mais perto”. Esse equilíbrio entre diferentes vínculos é o que Bianca Reis considera fundamental para a saúde emocional. Segundo ela, “amizades nos ajudam a desenvolver a socialização, as emoções, ampliam o repertório comportamental, autoconhecimento e desenvolvimento. Uma boa rede de apoio nos salva — e nos protege de influências nocivas e da nossa própria história”. Saber balancear as relações ajuda a garantir que o amor romântico não sufoque as outras formas de afeto, mas que, juntos, eles construam uma base afetiva sólida.
No dia a dia, Edson busca equilíbrio para dar atenção tanto ao namoro quanto às amizades. “Tento sempre marcar tudo com antecedência. Se eu já combinei algo com meu namorado, ele tem prioridade naquele dia, mas nada impede de sair com os amigos no dia seguinte”. E, quando possível, leva o namorado para os encontros com os amigos, desde que haja acordo entre todos.
Mesmo com pequenas dificuldades, Edson afirma que o diálogo é fundamental para lidar com os desafios entre namoro e amizades. “Já precisei escolher entre estar com meu parceiro ou com meus amigos, mas sempre converso com ambos. A gente sempre tem um tempinho pra encontrar quem a gente ama”. Quanto a possíveis conflitos entre amigos e relacionamento, ele garante que sabe lidar com naturalidade. “Já ouvi brincadeiras sobre me afastar dos amigos depois de começar a namorar, mas sempre levo na esportiva. Minha prioridade é meu namorado, e tudo bem se às vezes eu sair mais com ele. É a pessoa com quem quero passar a vida, então preciso contar com ele para tudo.”
No fim, o que permanece é o equilíbrio entre esses mundos, onde o afeto toma várias formas e se adapta. Entre amigos ou parceiros, o importante é a construção de uma base afetiva que sustente, proteja e, sobretudo, faça sentido para quem vive essa troca. Porque, para além de preencher espaços, esses vínculos ajudam a reconhecer a própria essência — um lugar de aconchego que não se impõe, apenas se faz presente, por escolha e afeto. Assim, a amizade não é só companhia, é escola, abrigo e, quem sabe, o melhor caminho para um amor que vale a pena.
Edson, à esquerda, com seu namorado Deivide
Foto: Acervo Pessoal
Edição: Gabriel Freitas e Leo Prado
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior