Malu Sampaio
Cabelo platinado, óculos “juliet” e passinhos de brega funk. Foi assim que João Campos, prefeito reeleito de Recife, apareceu durante o carnaval do último ano. Com vídeos engraçados em suas redes sociais, o político não conquista apenas o público recifense, já que ele acumula quase 3 milhões de seguidores no Instagram, número maior que a população da capital pernambucana. De acordo com o Portal de Transparência de Recife, nos últimos quatro anos, a gestão de João Campos gastou 609 milhões em festas, eventos e publicidade institucional.
Atuação digital de João Campos virou inspiração para equipe de comunicação do governo Lula após crise do Pix
Foto: Reprodução/Redes Sociais
A justificativa dos gastos e da postura irreverente do prefeito parece apontar a uma nova tendência no marketing político, em que a popularidade nos meios digitais pode ser facilmente convertida em votos. Campos não é o único a adotar essa estratégia: prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga segue uma linha parecida ao produzir vídeos de humor para o Tik Tok. Já o deputado federal Nikolas Ferreira prefere polêmicas que fazem seu conteúdo viralizar rapidamente. Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, opta por um tom irônico e bem-humorado no X, antigo Twitter. Mas o que está por trás dessa trend?
Rodrigo Manga (Republicanos), Nikolas Ferreira (PL) e Eduardo Paes (PSD) utilizam diferentes estratégias de engajamento digital
Foto: Reprodução/Redes Sociais
PALANQUES DIGITAIS
Priscila Sena é a gestora de marketing digital responsável pela campanha de Márcio Neves, o segundo vereador mais votado de Camaçari, segunda maior cidade da região metropolitana de Salvador, e avalia que a ascensão das ações políticas nas redes sociais vai além da busca por visibilidade, mas trata-se da construção de uma conexão direta com o eleitor. Segundo a profissional, esse movimento foi impulsionado pela pandemia, que forçou uma adaptação das campanhas às redes sociais e transformou o que antes era uma obrigação em uma escolha estratégica. “Políticos que de fato souberam ter uma presença autêntica aliada a sua personalidade e seus valores saíram na frente”, pondera. Para a consultora, os eleitores perceberam que não precisam estar 24 horas com o político, mas querem conhecer quem está por trás dessa pessoa, sua família e seus gostos pessoais.
Vereador Márcio Neves usou memes como estratégia de comunicação durante o período eleitoral
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Esse movimento é analisado de forma positiva pelo mestre em ciência política Eduardo Grizenti. Para o especialista, essa prática pode aproximar os eleitores de pessoas que ocupam cargos de poder. “Quando as mídias digitais trazem essa aproximação, conseguimos ver que as pessoas que ocupam aqueles lugares são ‘gente como a gente’. Tiramos esse véu de que a política é algo sagrado e virtuoso em que apenas pessoas dignas, justas e letradas podem ocupar”. A mesma perspectiva é compartilhada por Priscila, que reforça a necessidade de uma linguagem mais humana no cenário político. A assessora explica que, se o político utiliza uma linguagem difícil, formal ou institucional, dificilmente conseguirá alcançar ou se conectar com o público.
Embora a comunicação política tenha se transformado para alcançar o eleitorado, a conversão desse engajamento digital em votos nas urnas ainda é uma questão em aberto. Segundo Grizenti, estudos como o do professor Sérgio Braga, da Universidade Federal do Paraná, mostram que os candidatos novatos com forte presença online (os chamados outliers digitais) se destacaram nas eleições federais de 2022 no estado sulista. Esses políticos apresentavam maior número de seguidores e engajamento em redes sociais, o que sugere uma possível correlação entre engajamento nas redes e sucesso nas urnas. Ainda assim, os pesquisadores destacam que os dados são preliminares. De acordo com o estudioso, ainda é cedo para afirmar com precisão como, ou até que ponto, essa influência digital se traduz em cargos de poder.
Para Priscila Sena, o termômetro do sucesso do candidato está na percepção pública: "Eu acredito que o maior indicador de impacto é quando surge aquela sensação de que eu criei uma comunidade, sabe? Pessoas que não só me acompanham, mas me defendem e compartilham não só os meus conteúdos, mas a minha visão”. Para que isso aconteça de forma legítima, ela reforça que o uso do humor e do entretenimento deve ser coerente com a identidade e os valores reais do político, garantindo clareza e responsabilidade na comunicação. Já Eduardo Grizenti ressalta que, embora essa comunicação seja uma ferramenta válida para aproximar eleitores, o limite ético está no falseamento da informação, como a propagação de fake news, calúnias e ataques pessoais, que comprometem a integridade do debate público.
Essas transformações no marketing político apontam também para uma nova dinâmica entre candidatos e eleitores. Políticos se projetam para além de limites territoriais e ganham influência nacional, como mostra a "chuva" de comentários de internautas de diferentes regiões do país, que se referem a João Campos como "meu prefeito", ainda que não tenham qualquer vínculo local. A comunicação política deixa de ser apenas institucional e passa a fazer parte do campo do entretenimento, da identificação e da presença nas redes, estratégias voltadas principalmente para atrair o público jovem.
Edição: Bia Nascimento e Rodrigo Junior
Editor-chefe responsável: Leo Prado