Bernardo Maia
É isso que a pesquisa “O Impacto do tarifaço no consumo - A visão do consumidor brasileiro”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), divulgada no mês de agosto, aponta sobre a relação entre o problema e seus afetados. Com os dias contados para o primeiro mêsversário das tarifas dos Estados Unidos sobre importações brasileiras, o assunto continua entre os mais falados na cobertura midiática nacional. O aviso da sanção, que foi recebido pelo Governo Federal por meio de uma carta, explicitava interesses políticos de Donald Trump, como a soltura do ex-presidente Jair Bolsonaro e retaliação ao Supremo Tribunal Federal, com a posterior Lei Magnitsky.
Em carta à presidência, o presidente dos Estados Unidos menciona Bolsonaro, questiona a balança comercial entre os dois países e ameaça impor uma taxa de 50% para importações brasileiras
Foto: UOL
A cobertura das tarifas é feita na íntegra: televisões, jornais, debates no horário de almoço e publicações nas redes sociais. Essas que atualizam, passiva ou ativamente, os brasileiros. Apesar disso, apenas 19% dos entrevistados afirmam saber o que essas tarifas efetivamente representam em seu cotidiano. Especialistas divergem quanto aos responsáveis por esse resultado, visto como baixo, dadas às proporções. São citados os baixos índices de educação e falta de interesse, mas um fator já é de consenso: o espectro político.
Muito mais que um baque econômico, o tarifaço aqueceu a já fervente discussão política no país logo em seu anúncio, já que seu articulador tinha rosto e sobrenome: Eduardo Bolsonaro. A medida ameaçou bifurcar a direita e manteve o clima de tensão na bancada da oposição, recebendo duras críticas de aliados emblemáticos, como o pastor Silas Malafaia. A desestabilização chegou em bom momento para a bancada do Governo, que vinha sofrendo duras perdas no campo da opinião pública. Em um ambiente de polarização, o tarifaço, que afeta diversos setores da exportação do país e prejudica diretamente a macroeconomia brasileira, é relativizado, ora como um mal necessário, ora como ilegitimação à soberania do Brasil.
Para a economista Marta Castilho, esse tem sido um padrão em cenários políticos polarizados, como o brasileiro. A professora da UFRJ afirma que a situação piorou após as represálias ao ataque do 8 de janeiro, tornando-se um padrão em qualquer pauta de interesse público do país: “O Brasil, hoje, vive dois debates que exigem união das duas partes: as tarifas de Trump e a adultização nas redes sociais, mas tem sido muito raro ver um acordo entre as partes”. Marta ainda aponta o recente motim na Câmara dos Deputados como um exemplo dessas desavenças. “A oposição parou a Câmara para reivindicar um olhar de urgência do pleito da anistia e adiando o debate de uma pauta de tamanha importância e repercussão como a da adultização de menores nas redes sociais”.
O motim na Câmara dos Deputados durou mais de 30 horas e contou com 14 deputados denunciados das seguintes siglas: PL, PP e Novo
Foto: g1/Globo
DA CÂMARA E MINISTÉRIOS PARA AS REDES SOCIAIS
Esse duelo assume proporções diferentes no ambiente digital. Com a capacidade praticamente ilimitada de repercussão das redes sociais, acredita-se que a desinformação e o oportunismo dificultam a entrada de pautas de real interesse público na Câmara. O pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Sivaldo Pereira, caracterizou as redes sociais como uma faca de dois gumes: “As redes conseguem espalhar informação de maneira mais ampla e objetiva, mas pagam o preço com a manipulação por meio de informações falsas e IAs generativas.”
Apesar da grande influência, essa distância entre o cidadão brasileiro e o tarifaço não se limita às ocorrências meramente políticas. O âmbito da comunicação recebeu duras críticas dos pesquisadores. Flávio Santino, coordenador da pesquisa da ESPM, não nega a ineficiência dos veículos de mídia em trazer dados e atualizações de maneira universal: “A mídia serve ao seu nicho e não pretende adequar-se a algo mais universalista. Junte isso à falta de interesse do brasileiro em assuntos político-econômicos e você verá que o brasileiro comum verá o produto do tarifaço nas prateleiras dos supermercados”.
Independentemente de a origem do culpado ser da política, economia, pedagogia ou retórica, a dificuldade em se informar extrapola os atuais limites do meio digital. A pouco mais de um ano das eleições de 2026, Flávio acredita que a tendência não seja positiva: “em ano eleitoral, as pesquisas ganham um rosto singular, cresce a impressão de que se sabe de um assunto e diminui a taxa de conhecimento real, e vai piorar”.
Edição: Gabriel Freitas
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento