Bernardo Maia
No Brasil, o mês de dezembro é a época do consumo. Confraternizações de fim de ano, lojas lotadas e aeroportos cheios marcam um período recheado com a cultura do encerramento de ciclos. O espírito de fraternidade nutre a economia do país. Isso se reflete na menor taxa de desemprego da história brasileira, registrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, indicando um momento financeiro de aparente sucesso. Este ambiente seduzente para gastos ofusca uma questão importante: poupar quantias para um futuro incerto.
Ao contrário do que os bolsos cheios indicam, a economia externa do Brasil encontra-se em maus lençois. A variação real-dólar, escala utilizada para medir a valorização do real em relação ao dólar, moeda-base do mercado financeiro global, também foi responsável pela quebra de recordes históricos. Pela primeira vez desde a criação do Plano Real, em 1994, a moeda estadunidense atinge e ultrapassa a faixa dos 6 reais, chegando a valores recordes que extrapolam os R$ 6,10 até a publicação desta matéria.
Dólar alto é sinônimo de inflação. E isso contribui diretamente no aumento da taxa de câmbio. Consequentemente, aumentar essa taxa afeta o valor de produtos importados pelo país, como o combustível e diversos alimentos. O Brasil, por outro lado, é dependente do transporte rodoviário, reverberando a crise para todos os outros setores à mercê das rodovias.
Mais que isso, uma balança comercial desfavorável –quando os gastos são maiores que os lucros – aumenta o déficit financeiro do país. Para amenizar o prejuízo, práticas como o aumento de impostos e corte de gastos em setores como saúde e educação são recorrentes no equilíbrio das contas.
Sem credibilidade com o mercado, o Brasil espanta o investidor internacional. Seu momento financeiro sensível afeta diretamente a população mais vulnerável economicamente, pois aumenta taxas de inadimplência e pobreza. Para amenizar esses efeitos, é crucial possuir uma poupança para evitar situações de miséria.
Em um mês economicamente ativo como dezembro, o desafio para a população é resistir à cultura consumista no país e construir reservas para um futuro incerto.
E O POVO?
Para Cleunice Silva, dezembro é tempo de gastar enquanto tem. A zeladora de 52 anos recebeu a primeira parcela do décimo terceiro salário no final de novembro e gastou tudo antes das festas de fim de ano: “Dinheiro de auxílio não para no bolso do pobre”. Ao falar sobre economizar no final de ano, a prestadora de serviços afirma desacreditar do custo-benefício da prática: “Na minha situação financeira atual, passar aperto para uma economia de palito é um tiro no pé”.
Cleunice não é exceção. Junto a ela, mais de 80% dos brasileiros não sabem controlar as próprias despesas. Uma pesquisa do SPC Brasil, empresa de tecnologia que faz o armazenamento de dados de CPFs que estão inadimplentes, aponta que a falta do hábito de economizar está diretamente ligada aos estratos sociais e ao baixo poder aquisitivo em um país inflacionado, o que dificulta uma economia eficaz.
Cleunice Silva trabalha em um edifício de luxo em um bairro classe-média de Salvador
Foto: Bernardo Maia
Especialista em economia comportamental, o influenciador carioca Lucas Turano atribui essa falta de adesão à necessidade de recompensa imediata: “O brasileiro sem educação financeira busca imediatismos na economia, dinheiro fácil e rápido que caia na conta o quanto antes. Isso o torna muito vulnerável a golpes financeiros como opções binárias e jogo do tigrinho”.
O resultado não podia ser outro: a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) de novembro mostra um aumento no percentual de famílias endividadas no Brasil, passando de 76,6% em 2023 para 77% em 2024, o que reflete no ajuste familiar em um Brasil de juros altos. Um momento sensível como esse demanda resoluções com resultados vistos ao menos em médio prazo, tarefa que parece impossível para um segmento da educação, área que demanda tempo, dinheiro e prioridade.
O QUE ESTÁ SENDO FEITO?
O problema não é novidade. Um comportamento financeiro consciente vem se tornando cada vez mais necessário em um contexto de aumento de custo de vida no país. Apesar disso, as iniciativas permanecem modestas. Lucas Turano enxerga as do Banco Central como pouco impactantes, carecendo de efetividade e constância em suas ações. O economista acredita que o Governo age com mais preocupação em relação ao que o cidadão não deve fazer do que o que ele deveria fazer.
Lucas Turano enxerga as do Banco Central como pouco impactantes, carecendo de efetividade e constância em suas ações. O economista acredita que o Governo age com mais preocupação em relação ao que o cidadão não deve fazer do que o que ele deveria fazer. Apesar da preocupação, falta da parte governamental o desenvolvimento de um ambiente seguro e propício para o estímulo de atitudes como a poupança. Os meios de comunicação também se mostram insuficientes em seu papel de promover o estímulo à educação financeira. A mídia televisiva, por exemplo, aborda o assunto pontualmente e em épocas do ano específicas, além de ter um público nichado para o assunto. Quanto aos influenciadores digitais, Lucas os separa em duas classes: os ligados à economia e os não ligados à economia. “Assim como a televisão, o primeiro grupo tende a servir um nicho que já se interessa pelo assunto, que dificilmente será de classes baixas. Já o segundo busca uma audiência mais desavisada para lucrar em detrimento dela, como os anunciantes das ‘bets’”.
Lucas Turano trabalha como influenciador no Instagram
Foto: Reprodução/Redes sociais
O QUE ESPERAR PARA 2025?
Felizmente, especialistas do mercado apontam que o Brasil sobreviverá. O colunista do Jornal da USP, Luciano Nakabashi, afirma que tudo depende da capacidade de escolha da gestão da União Federal. “Uma política fiscal mais controlada levaria a economia a crescer um pouco menos, mas daria melhores condições para que as expectativas melhorem, o dólar baixe, a gente consiga controlar a inflação, reduzir a taxa de juros e, com isso, ter um desempenho melhor nos próximos anos”. Quanto às mudanças no sistema de educação financeira, elas seguirão em tramitação vagarosa na Câmara até que outro efeito bola de neve na economia do país coloque-a em pauta novamente.
Edição: Leo Prado e Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento