Gabriel Freitas
Receber comida em casa não é algo recente. Desde o século XIX, essa atividade já era realizada na Índia pelos dabbawalas, que assim como os motoboys, entregavam almoços para milhares de trabalhadores. Nos anos 1950, nos Estados Unidos, surgiu um modelo de entrega gratuita para pedidos acima de US$2,50. No Brasil, a partir da década de 1980, as "disk pizza" se popularizaram em São Paulo, realizando entregas com bicicletas e mobiletes.
O Instituto Getúlio Vargas (FGV) calcula que, atualmente, grande parte das entregas de comidas comercializadas é organizada por aplicativos, como o iFood, responsável por 83% das movimentações do setor. Outras plataformas como Uber Eats, Rappi e Zé Delivery também começaram a se destacar no mercado após o ‘boom’ do departamento.
Ainda que o delivery já exista há algumas décadas, o setor passou por transformações significativas nos últimos anos, principalmente devido à pandemia. Entre 2020 e 2022, a popularização das entregas em domicílio ocorreu inicialmente por questões sanitárias, mas se consolidou como uma opção de conforto para os consumidores. Segundo análise da Mobills, site que ajuda a gerir finanças pessoais, em 2020, durante a crise sanitária da Covid-19, as entregas de alimentos em domicílio cresceram 187%. Em 2021, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) apontou que as vendas por delivery movimentaram aproximadamente R$35 bilhões.
Das prateleiras à fuga pelo sustento
De acordo com uma pesquisa do Institut Public de Sondage d'Opinion Secteur (Ipsos), os indivíduos têm apenas 26% do tempo de suas vidas livres, o que contribui para a adesão ao delivery.
O crescimento desse mercado também gerou oportunidades para pessoas desempregadas, que passaram a trabalhar com entregas como meio de sustento. Muitos trabalhadores migraram para o setor devido às condições precárias em supermercados, farmácias, lojas e padarias, marcadas por baixos salários, carga horária exaustiva e cobranças excessivas da chefia.
A socióloga Patrícia Rocha Lemos, especialista em sociologia do trabalho, realizou um estudo em 2019 sobre a degradação das condições de trabalho nos supermercados. A pesquisa indica que a reforma trabalhista aprofundou problemas estruturais na área, permitindo aos empregadores maior liberdade para definir a organização do trabalho, o que impacta na precarização e intensifica o ritmo das atividades. No artigo, ela destaca quatro fatores que evidenciam as deficiências do setor:
Aumento da incerteza sobre a continuidade do emprego;
Diminuição do controle do trabalhador sobre condições, salário e ritmo de trabalho;
Redução da proteção trabalhista, seja por legislação ou organização coletiva;
Rebaixamento salarial, acompanhado pelo crescimento da pobreza e da insegurança social.
Desgastados pela realidade, esses trabalhadores, na maioria homens negros de 18 a 49 anos, optam pela compra de uma moto, ou até mesmo o aluguel. Yan Machado, 23 anos, morador de Salvador, é um dos que aproveitou a rescisão do antigo emprego para juntar o dinheiro que tinha na poupança e adquirir o veículo, dando início ao trabalho informal, mesmo com medo dos desafios que poderiam aparecer, como dito por ele.
Embora prefira a segurança do regime formalizado, que garante os direitos trabalhistas, através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Yan decidiu se arriscar no mercado. "Eu gosto do CLT, acho um regime bom porque protege as pessoas de diversos acontecimentos, como um acidente". No entanto, como estudante de Humanidades na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o universitário escolheu ser autônomo pela flexibilidade de horários, permitindo-lhe conciliar com os estudos.
Caminho percorrido por Yan no ofício da sua atividade
Foto: Acervo Pessoal
O soteropolitano relembra sua experiência desgastante em uma padaria: "Tinha que chegar antes das 5h da manhã para organizar os pães e outras funções. Era uma rotina exaustiva, e a remuneração não condizia com o esforço físico e psicológico exigido". Pela necessidade de ter alguma renda, o jovem passou a fazer entregas, principalmente para um restaurante que atende bairros nobres da capital baiana como Barra, Vitória, Graça, Horto Florestal, entre outros. “Meu principal propósito rodando é realmente, a necessidade de ter dinheiro. Eu faço o meu horário, bati minha meta, vou para casa e sobra tempo para eu estudar, me dedicar mais à faculdade, que sempre foi é minha prioridade”.
Apesar da insegurança financeira e da falta de direitos garantidos, a busca pela informalidade expõe o descontentamento com as condições de trabalho formais, evidenciando demandas que precisam ser solucionadas pelos empregadores, além do interesse de se ter uma vida fora da obrigação do labor.
Edição: Rodrigo Junior e Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Bia Nascimento