Hanna Andraus
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Esse trecho não vem de uma conversa qualquer, mas da polêmica música “Medley De Igaratá 4”, do MC Negão. A narrativa da música reflete uma tendência crescente: a glamourização da vida da prostituição.
Dinheiro rápido, vida luxuosa e longe da CLT: a vida do “job” se tornou desejada nas redes sociais e é retratada de forma positiva no mundo da música. Entretanto, para a psicóloga Marina Gessey, formada pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), o que se vê nas redes sociais é apenas uma fração da história: "As pessoas conhecem apenas o nome e a personalidade de quem expõe o luxo e o dinheiro. Mas as histórias que chegam até mim são delicadas, profundas e muitas vezes desumanas".
Na internet, tudo corre muito rápido. Esse movimento de glamourização tem início quando meninas que trabalham nesse ramo, começaram a expor seus ganhos e sua vida nas redes sociais, como o caso da influencer Lays Peace. A criadora de conteúdo digital que mostra no dia a dia dicas sexuais, compartilha cupons de desconto para brinquedos eróticos e que não esconde o que faz, é um exemplo disso.
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Garota de programa desde os 19 anos, numa entrevista para o Blog do Bg, Lays afirma: “Os haters dizem que eu romantizo a prostituição. Mostro um mundo de glamour, mas que é muito doído. Tem vezes em que me tranco e choro o dia inteiro.” Nessa mesma entrevista, Lays menciona uma live que fez ensinando mulheres a como sentar em seus parceiros que atingiu mais de 300 mil pessoas. “Quanto mais eu focar na internet, mais posso reduzir os programas.” A influencer discorre que os seguidores dela não a conhecem de verdade, por isso acham que ela vende a ideia de que a prostituição é o melhor caminho, o que não é verdade.
Porém, ao contrário da influenciadora,e Lays que também expõe o lado ruim da prostituição, existem pessoas que além de incentivar esse comportamento, monetizam em cima disso, vendendo mentorias e cursos sobre como “ser do job". Como o caso da influencer Mariel Fernanda que tem uma mentoria chamada “Mentoria para musas”: onde ela ensina o que fazer, como fazer e a melhor forma decomo conseguir contatos no mundo da prostiuição. Nos vídeos que ela promove essa mentoria, comentários como “eu quero entrar, como faço?” são recorrentes.
Foto: Reprodução / Tiktok
Pare um pouco para pensar: a exposição de um estilo de vida supostamente glamouroso reforça estereótipos e valida um padrão de comportamento no mercado musical. Quantas músicas que você ouviu recentemente não mencionam a palavra "job"? Alguns exemplos recentes incluem:
Foto: Reprodução / Spotify
A ascensão de músicas como essas que utilizam dos videoclipes para expor um estilo de vida “desejável”, não só reforça a romantização, mas o papel que o homem exerce nessa relação. Ao passo que ele valida as músicas, compostas por outros homens, e deseja ter aquilo que eles têm, o espectador fomenta e gera demanda para a criação desse tipo de música.
Uma pesquisa realizada na Europa em 2015 em países como Alemanha e Reino Unido, após a criminalização da prostituição, reforça essa perspectiva. No estudo, conduzido por Mariana Amaral e publicado na revista QG Feminista, a pesquisadora afirma: "Prostituição raramente, ou quase nunca, é uma escolha". Ao longo de 250 entrevistas em 40 países, incluindo 50 sobreviventes do tráfico internacional, a conclusão foi unânime: "Não acredite no mito da 'prostituta feliz' que você vê na televisão".
A pesquisa ainda questiona a contradição social em torno do tema: "Se prostituição é equivalente a escravidão, por que ativistas de direitos humanos e pessoas de esquerda apoiam a ideia de que é um 'trabalho' para mulheres e um 'direito' para homens?".
A reflexão fica em aberto: até que ponto o que consumimos na mídia molda nossa percepção sobre o mundo real? Enquanto a música e as redes sociais continuam vendendo uma fantasia, a realidade segue muito mais complexa e, muitas vezes, cruel.
“Se as pessoas não começarem a colocar a subjetividade dos outros em perspectiva
para deduzir a história de alguém, vão continuar romantizando tudo".
Marina Gessey
Será que é realmente difícil encontrar “uma menina que não trabalha no job”, ou meninas que ainda não perceberam a violência que essa vida pode impor? De quem é a culpa: de quem fomenta ou de quem romantiza?
Edição: Bia Nascimento e Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Rodrigo Junior