Bernardo Maia
Elis Regina e Tom Jobim já diziam que não há nada mais rotineiro no fim do verão brasileiro que receber o mês de março na base do chuvisco. O fim do período chuvoso que marca essa estação do ano é sucedido por temperaturas amenas e chuvas menos intensas de outono. Pelo menos, é como deveria ser. Mais do que enchentes frequentes, tragédias de larga escala, como as inundações no Rio Grande do Sul, ocorridas no final de abril de 2024, têm se tornado cada vez mais comuns fora da época de chuvas fortes. Em contrapartida, o orçamento destinado à prevenção de desastres naturais sofre sucessivas quedas. Segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o orçamento para o programa de gestão de riscos e desastres em 2025 prevê um repasse de 1.7 bilhão para 2025, 200 milhões a menos que o ano anterior.
O sol que cessa no final do verão marca cada vez mais presença nas outras estações do ano, o que contribui para maiores períodos de estiagem, crise de abastecimento hídrico, aumento de incêndios em áreas com vegetação densa e crescimento do processo de desertificação por toda região dos trópicos.
Especialistas apontam diversos culpados pelos novos números. Seja pelo El Niño e La Niña - fenômenos que mudam a temperatura do mar e dos ventos -, pela devastação humana sobre a cobertura vegetal ou aquecimento natural, o debate da emergência climática perpassa visões políticas para falar de um problema cada vez mais concreto: o clima está mudando desastrosamente rápido. A discussão não é novidade. Desde a metade do século XX, cientistas já vinham atribuindo alterações na atmosfera à produção excessiva de Dióxido de Carbono, gás produzido pela queima de combustíveis, incêndios florestais e outros meios de combustão. A temperatura do planeta já passava dos 0,5° a mais que no período que antecede a Primeira Revolução Industrial, recorte histórico referido como início da poluição da atmosfera por ação humana.
A primeira conferência da ONU sobre o meio ambiente só foi ocorrer em 1972. Na época, muito mais centrada nos desastres químicos provenientes dos ataques nucleares e suas consequências, com debates tímidos sobre o emergente problema climático. Com a popularização do fenômeno do buraco na camada de ozônio, já na década de 80, deu-se início à assinatura de tratados para redução do CO2 na atmosfera.
Infográfico produzido pelo geógrafo Danilo Bandeira mostra possíveis mudanças do hemisfério norte caso as geleiras sejam derretidas. Foto: Reprodução/Época
Passados mais de 40 anos, os assuntos climáticos continuam dividindo opiniões entre chefes de Estado. Dentre os interesses mais comuns pelo degelo, as reservas hídricas e minerais e as possíveis rotas marítimas são os fatores que mais atraem os interessados no aquecimento global, afirma o glaciólogo Jefferson Cardia. O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul visitou as geleiras do polo norte recentemente e se preocupa com o futuro brasileiro: “O gelo derretido expõe a tensão geopolítica pelo lugar, e não há conferência climática nenhuma para parar esse jogo de interesses”.
O assunto gera preocupações aos estudiosos sobre o futuro do território brasileiro. O geógrafo Renê Pinheiro aponta que países muito influenciados por múltiplas massas de ar sofrem mais pelas condições extremas: “Elas levam, por onde passam, suas características de temperatura, umidade e pressão. Não é difícil ver um Brasil passando por uma seca e uma enchente severa ao mesmo tempo”. Os números já apontam um crescimento no fenômeno. Um levantamento do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), encomendado pelo jornal Folha de S. Paulo, revela um aumento significativo nos recordes de enchentes e secas na última década, com 312 recordes de enchentes, contra 182 na década passada, e 402 episódios de seca, contra 92 na década passada.
Para Antônio Paixão, enchente e seca nada mais são do que ciclos anuais. Morador de Balsas, no Maranhão, o agricultor conta para nossa equipe de reportagem que depois de sofrer com a seca na segunda metade de 2024, agora busca salvar sua plantação de algodão das fortes enchentes do mês de janeiro. “Já sou antigo na região e já me acostumei com essa mudança drástica, mas o tempo entre os eventos têm se encurtado demais”. Paixão e agricultores da região conversaram com autoridades da região sobre a incidência de fortes chuvas meses antes, mas não receberam resposta. “Penso muito em me mudar daqui, abrir um negócio em São Luís, minha família não aguenta mais”.
O governo afirma buscar trazer mais ênfase ao problema. Em setembro de 2024, o presidente Lula chegou a anunciar a criação de uma Autoridade Climática e de um Comitê Técnico-Científico para apoiar ações do Governo Federal voltadas à questão da emergência do clima. A proposta que pretendia trazer mais autonomia para a tomada de decisões das autoridades governamentais quanto à emergência do clima dividiu opiniões dentro dos ministérios, com destaque ao do Meio Ambiente, com a ministra Marina Silva cobiçando a subordinação do cargo ao seu ministério, não ao da Presidência. Com impasses internos, o premiê aposta em maiores investimentos em remediação de tragédias, previstos no orçamento de 2025, transição energética e maior adesão na COP 30, reunião climática que ocorrerá em Belém e visa comprometer países do G20 a reduzir suas emissões de carbono.
Para Beth Wagner, economizar tempo é a chave para evitar maiores consequências ambientais no país. Diretora do Instituto do Meio Ambiente (IMA) na gestão Jaques Wagner, em 2007, caracteriza os governantes baianos como pouco comprometidos com a causa ambiental e “muito ligados ao empresariado”. “A prefeitura de Salvador desvia a atenção do povo enquanto permite que empresas cometam crimes ambientais com pouca resistência. Foi assim na Ilha de Boipeba, na Linha Verde, em muitos outros cantos Bahia adentro, e já se perpetua em todo o Brasil”.
Figura antiga no meio ambiental baiano, Beth implementou oficinas preparatórias com a comunidade para o meio ambiente em Salvador e viu na governança ambiental da população a melhor forma de combater a negligência climática governamental. A ambientalista acredita que cada um deve fazer a sua parte, exigindo dos governantes melhores condições ambientais e evitando, quando possível, a geração de mais Dióxido de Carbono: “É preciso cobrar e ser exemplo, só assim teremos sucesso em proteger nosso verde futuro”.
O planeta está ficando mais quente, as chuvas mais fortes, as secas mais severas e a resolução do problema permanece em aberto. 50 anos de embate ideológico entre Estados soberanos e seus interesses econômicos impedem as lideranças de trabalhar para manter um mundo habitável aos seus futuros habitantes. Jefferson Cardia traz outro questionamento: qual a capacidade que os poderes políticos têm em entender o fator emergencial de uma crise ambiental? Para ele, o “tempo não está a nosso favor”.
Edição: Bia Nascimento e Thyffanny Ellen
Editora-chefe responsável: Rodrigo Junior