Bia Nascimento
“Minha mãe vive falando para eu tomar cuidado com o cartão e mal sabe que eu comprei uma pizza no pix crédito, agendado em cinco parcelas”. É o que conta, com bom humor, o jovem Gabriel Ramos. Foi depois de passear pelo aplicativo do banco digital que descobriu uma nova possibilidade: poder fazer compras e agendar em qual mês elas serão pagas, mesmo sem ter dinheiro para custear. Um momento de dificuldade financeira desbloqueou o início da prática: “eu fiz uma vez porque minha fatura estava muito alta. Mandei para um amigo e ele me devolveu. Os juros eram menores que de um empréstimo”.
Modalidade de pagamento completamente instantâneo e gratuito, o Pix foi lançado em 2020. Naquele momento, o TED e o DOC, modelos de pagamento tradicionais, pouco a pouco perderam espaço para o concorrente. De acordo com o Banco Central, foram movimentados R$ 26,455 trilhões apenas via Pix em 2024. Nesse mesmo ano, uma a cada cinco transferências superaram o valor de R$ 5 mil. Mais de 60% de todas as transações, desde a criação da modalidade, custaram menos de R$ 100,00.
A possibilidade de parcelar e agendar o pagamento realizado pelo Pix utilizando o limite do cartão de crédito foi inaugurada pelo Banco do Brasil por meio do “BB Parcela Pix”, em dezembro de 2022. Isso ocorreu antes do lançamento oficial da modalidade pelo Ministério da Fazenda e Banco Central, que não foi feito até a data de publicação desta matéria. Em 2023, outros bancos digitais passaram a oferecer o mesmo serviço, ora “Pix Parcelado”, ora “Pix Crédito”, entre outras denominações. No aplicativo da conta digital do Nubank, uma transação de R$ 150,00 pode se tornar R$ 182,85 se deixada para pagar dois meses depois, ou R$ 205,29 para pagamento após três meses. Isso significa que as taxas giram em torno de 10 a 11% ao mês, dependendo da opção de parcelamento.
“ÀS VEZES É MAIS FORTE QUE EU”
Natural de Londrina, no Paraná, Gabriel acredita equilibrar o uso da função ao não fazer nem pagamentos muito grandes nem muito pequenos. Apesar de nunca ter se endividado, ele aproveita a funcionalidade com pequenas compras, principalmente lanches em fast-foods, desde 2022. Milhares de quilômetros separam ele e Breno (nome fantasia)*, morador de Salvador, na Bahia. O dançarino conta que já chegou a utilizar a modalidade em diferentes necessidades: “contas, despesas, aluguel, essas coisas de casa mesmo, as vezes que o dinheiro não dava”. Apesar disso, ele não considera os juros vantajosos, e quando chegou a acumular uma dívida com a outra, o valor do salário acabou por não ser suficiente para pagar as faturas. “Hoje em dia, não utilizo mais, justamente porque acabei parcelando a fatura do cartão e fiquei sem limite”.
Edval Landulfo, economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia enxerga o Pix Crédito como uma nova possibilidade de pagamentos instantâneos, mas faz ressalvas: “é preciso encarar qualquer modalidade de crédito como uma situação que vai ter juros, porque nenhuma instituição empresta dinheiro sem uma contrapartida de um recebimento a posteriori com um valor adicional”.
“Há um crescimento gigantesco das ‘fintechs’. As pessoas não precisam de uma agência física, então o Pix Crédito ganhou muito espaço no mercado brasileiro, no recebimento através de pagamentos instantâneos e de outras pessoas que naquele momento não possuem aquele valor”, comenta.
Ainda sem oficialização do Banco Central, cada instituição tem a possibilidade de determinar a quantidade de parcelas e juros aplicados ao mês, além da cobrança de IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras
A ERA DAS FINTECHS
Em meio a possibilidade de quase tudo ir para a palma da mão, traz-se os holofotes às “fintechs”. Por meio de uma junção do inglês entre “financial” e “technology”, elas simbolizam a possibilidade de plataformas online oferecerem serviços financeiros de forma totalmente digital. Elas não possuem agências bancárias físicas, mas oferecem os mesmos serviços de conta digital, acesso a créditos, empréstimos e investimentos.
Nesse momento, o Brasil possui uma das maiores concentrações de fintechs do globo, e a maior da América Latina. São mais de 1300 instituições ativas, e algumas já conquistaram mais clientes que os bancos tradicionais. Parte da conquista vem, principalmente, após a criação do Pix. As fintechs são devidamente regulamentadas pelo Banco Central ao serem expostas a regras e normas bem específicas. A sensibilidade, entretanto, pode vir do próprio ambiente digital: “Ainda há um risco dessa modalidade ganhar um espaço desenfreado. Se não houver explicações dessas cobranças como se fosse um cartão de crédito, as pessoas vão ter um impacto futuro”.
Foto: Distrito
As fintechs são devidamente regulamentadas pelo Banco Central ao serem expostas a regras e normas bem específicas. A sensibilidade, entretanto, pode vir do próprio ambiente digital: “Ainda há um risco dessa modalidade ganhar um espaço desenfreado. Se não houver explicações dessas cobranças como se fosse um cartão de crédito, as pessoas vão ter um impacto futuro”.
Os impactos do Pix que utiliza o limite do cartão de crédito podem vir do Milkshake postergado em duas faturas ou de um celular de última geração, financiado em uma parcela mas com anúncio de desconto para quem paga via Pix. A coincidência é que ambos trazem a sensação de um bom negócio ao consumidor e ao anunciante. Nesse caso, será que os juros compensam?
“Tem que entender que é uma modalidade de crédito e tem que ser tratada como tal.
Não pode usar o dinheiro alheio como se fosse um dinheiro pertencente à sua conta
bancária, à sua renda, ao seu padrão de vida. Muito cuidado com essa prática".
Edval Landulfo
*Em meio à sensibilidade do conteúdo e o receio da exposição, o entrevistado solicitou sigilo e uso de um prenome fictício à equipe do Entrepontos. Reforçamos nosso compromisso em contar histórias por meio de um jornalismo ético.
Edição: Leo Prado e Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior