Bia Nascimento
Um ônibus ao sair de casa. Um BRT. Outro ônibus. Assim se vão pelo menos duas horas do dia de Guilherme. Se a sorte ajudar - e o trânsito da Avenida Brasil colaborar -, isso não se transforma em uma viagem de quatro horas só na ida. Então, depois de um dia de aula em uma das melhores universidades do país, o estudante gasta mais duas para retornar à casa.
O jovem mora na Baixada Fluminense, região metropolitana da capital carioca. Graduando em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mais de 40 quilômetros separam Guilherme Venancio da Cidade Universitária da UFRJ, localizada na zona norte do Rio de Janeiro. Ele não é o único a encarar grandes trechos km para poder estudar. Muitos estudantes também enfrentam longos trajetos diários. Em geral, são pessoas que nasceram em locais sem universidades públicas, e muitas vezes, sem instituições particulares também.
Infelizmente, nem todo mundo possui condições de se mudar para próximo à universidade. Sailon Bezerra vive a um pouco mais de 30 quilômetros da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e se desloca diariamente desde que passou no vestibular. Estudante de Produção em Comunicação e Cultura, ele lamenta não poder viver na mesma cidade onde estuda: “É uma barreira que estará sempre presente até que eu consiga, por uma questão monetária, me mudar para algum lugar que seja mais perto”.
O QUE FAZER PARA PASSAR O TEMPO?
Se em um dia com 24 horas, quatro são gastos apenas no deslocamento para a faculdade, a semana de 120 horas tem quase 20% do tempo reservado para o transporte público. O artigo “Mobilidade urbana e determinação social da saúde, uma reflexão”, publicado na revista “Saúde e Sociedade” em 2023, destaca que o deslocamento por longas distâncias, aliado ao extenso tempo de viagem e à exposição ao estresse da mobilidade urbana, representa riscos significativos para a saúde física e emocional dos indivíduos. Se já é difícil ver o tempo passar em um passeio de ônibus no feriado, será que os estudantes têm alternativas para as grandes viagens diárias?
Pablo Franccesco é graduando de Ciências Contábeis na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e sabe bem o que é transitar bons quilômetros para chegar até a faculdade. Morador de uma cidade no interior do estado com pouco menos de 30 mil habitantes, São Gabriel do Oeste, Pablo percorre 137 quilômetros até a capital Campo Grande. O trajeto dura, em média, três horas.
Morador da zona rural, o estudante já aproveitou o tempo sem internet na estrada para conseguir ler 15 livros. “Nas três horas de volta eu ia dormindo, nas três horas de ida eu ia lendo, mas começou a me cansar muito e agora eu só durmo”. Pablo revela que não consegue mais usar o tempo do trajeto para estudar.
Os alunos da cidade de São Gabriel do Oeste dividem entre si os custos do ônibus para os centros universitários do Campo Grande
Guilherme, por outro lado, tenta conciliar a rotina universitária que considera cansativa com o tempo que passa no transporte público. “Como, depois de um dia totalmente cansativo, eu vou chegar em casa, depois de três, quatro horas de viagem e ainda ter trabalho pra fazer, estudar pra prova?”, lamenta. “Eu tenho que me adequar a isso. Eu preciso estudar no ônibus, só que nem sempre consigo ir sentado, então eu tenho que estudar em pé, cansado”.
Já Sailon, sente que não tem tido tempo para fazer as coisas que gosta, inclusive ler. “Eu não consigo ler em transporte público, é algo que me incomoda. Mas quando eu chego em casa, já tô tão cansado que se pego um livro pra ler, já começo a piscar o olho”.
E O QUE NÃO DÁ TEMPO?
“Eu nunca vejo o sol quando chego em casa”.
A afirmação de Sailon revela um sonho que é comum dos três estudantes: não ter que viajar todo santo dia. “Eu fico: ‘nossa, o que dava pra eu fazer se eu não tivesse preso dentro do ônibus ou dentro do metrô nesse período?’”. O discente confessa não conseguir ser pontual com frequência: “Ainda durante a minha primeira graduação, eu ainda fazia um esforço maior de acordar certinho, chegar especificamente no horário. Mas, de um tempo pra cá, esse cansaço foi se acumulando. Hoje em dia, eu não faço mais tanta questão assim”.
Sailon tem, durante a semana, aula até às 12:30. Quando sai do Campus da UFBA, vem a missão de conseguir chegar ao estágio no horário previsto, às 13:30. Ao fim da tarde, o turno termina, mas nada de ser o fim do dia. Chega o momento de enfrentar a estrada outra vez: “É, eu nunca vejo o sol quando chego em casa”. Depois de retornar, Sailon não tem mais fôlego para ir à academia ou realizar atividades de lazer, por exemplo.
“Pessoas que moram a 20 minutos da faculdade, pessoas que moram
a uma hora, têm muito mais vantagem em
relação a pessoas que estão no meu caso”.
Guilherme
Até o período que Guilherme e outras pessoas com rotinas semelhantes têm para estudar podem ser afetados com a exaustão do cotidiano. “O tempo que outras pessoas já chegaram em casa, tomaram banho, comeram, descansaram e vão começar a estudar, é o tempo que eu estou no trajeto ainda. Às vezes, [mesmo] saindo mais cedo que meus amigos, eu ainda chego muito depois deles”.
Edição: Leo Prado e Thyffanny Ellen
Editor-chefe responsável: Rodrigo Junior